2012/02/18

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (6)

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6. Os recursos

Não poderia terminar esta intervenção sem um toque positivo e encorajante. Gostaria de recordar que a nova evangelização, também com os jovens, não nasce das nossas próprias forças: o Deus que estamos convidados a anunciar nos assegura os recursos para o anúncio. Mas não basta, numa pastoral bem incarnada, fazer a lista dos lugares teológicos onde se acede à graça de Deus.

6.1 A Palavra de Deus

Nos últimos anos, não há documento pastoral que não dê destaque à Palavra de Deus. É bem mais do que uma moda. Mas não basta, em pastoral juvenil, pegar num ficheiro com a Bíblia e enviá-lo a todos as caixas de email que conhecemos.

A palavra de Deus é um recurso para a pastoral juvenil mas é também uma tarefa. É tarefa da pastoral juvenil captar os anseios, os pedidos, as perguntas que os jovens fazem, tantas vezes de forma fragmentária, balbuciante, quase pueril. E trazê-las para dentro da comunidade cristã. E estimular a comunidade a ler a Palavra a partir dessas perguntas.
É também tarefa da pastoral juvenil levar aos jovens as respostas que Deus dá à sua Igreja através da Palavra.
Isto implica que a PJ promova métodos e hábitos de leitura da Palavra mais virados para construir pontes entre a Palavra e a vida do que para alardear erudição arqueológica.

6.2 A liturgia

Quer para os operadores de pastoral juvenil, quer para os jovens, a celebração dos sacramentos é ocasião de crescimento, de orientação, de fortalecimento.
Os sacramentos são ocasião para os jovens se integrarem numa comunidade que é multigeracional e para a comunidade se sentir enriquecida com as novas gerações.
Será um recurso tanto mais aproveitado quanto Cristo e o seu mistério de salvação estiver no centro. Quanto mais a nossa forma de celebrar souber ser fiel ao Deus que celebramos e, ao mesmo tempo, for fiel, nas suas expressões e configuração cultural à condição dos destinatários.

6.3 Fazer memória das experiências consolidadas

A pastoral juvenil não começa connosco. Muitos adultos e jovens já testaram caminhos que mostram como é possível, sendo jovem, viver uma medida alta de vida cristã. A Igreja sancionou alguns desses caminhos que levam ao amor com a canonização dos seus protagonistas.
Fazer memória desses homens e mulheres que deram a sua vida como missionários dos jovens é uma atitude sensata. As suas intuições pedagógicas e espirituais podem ter sido amadurecidas em contextos culturais e eclesiais diferentes dos nossos; mas a sua experiência é um património eclesial que vale a pena valorizar.
Algumas dessas experiências mostraram-se resistentes ao teste do tempo. Mesmo com o variar dos tempos e das latitudes, mostraram ser capazes, de forma consistente, de levar os jovens à santidade.

6.4 Fazer circular as novas ideias

Diante de uma realidade fluida, de contornos indefinidos, é inútil desenhar projectos pastorais feitos no gabinete, a régua e esquadro. Mas é insensato renunciar a projectar; isso leva-nos à inércia e ao imobilismo.
O Espírito de Deus não dorme. E Ele é a fonte de toda a criatividade. Situações novas precisam de respostas novas. Evidentemente, a qualidade das respostas não se afere pela sua novidade. Como Igreja católica que somos, amamos a comunhão na diversidade. Podemos favorecer no ambiente eclesial a criação de novas propostas e a sua circulação. Contrariar a indefinição de horizontes estimulando a inovação e a circulação-avaliação de ideias novas.

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (5)

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5. As tensões

O empenho da Igreja em ser fiel à sua identidade, levando o Evangelho a todos, em todos os lugares e tempos, enfrenta algumas tensões inevitáveis. Não falo dos problemas e obstáculos exteriores a superar. Falo da presença simultânea e concorrente de tendências opostas dentro da própria pastoral juvenil. Tendências válidas e irrenunciáveis.

5.1 Educação versus evangelização

Este binómio em tensão pode aparecer noutras fisionomias: antropologia-teologia, factual-ideal…
A pastoral juvenil é um grande processo de comunicação em que se reedita a comunicação salvífica de Deus para a humanidade. Este processo de comunicação não é feito só de palavras: inclui gestos, intervenções, experiências, processos… Há muitos modelos comunicativos a partir dos quais vertebrar a pastoral. Alguns partem da educação. Outros da evangelização. E muitas vezes os modelos educativos e evangelizadores aparecem antagónicos. E parece que somos obrigados a escolher entre um e outro.
Se alguma coisa vai permanecer nas próximas décadas da pesquisa do professor Tonelli é a convicção que é possível e necessário utilizar de modo harmónico todos os recursos em ordem a projectos que sabem servir-se dos modelos educativos e evangelizadores em momentos sucessivos e complementares. Esta intuição tem história: Bento de Núrsia com o seu ora et labora, o humanismo de Francisco de Sales, a proximidade educativa de S. João Bosco… Mas a verdade é que não tem sido dominante ao nível das ideias e das práticas esta dupla atenção à educação e à evangelização.
E mesmo que superemos a tentação da disjunção exclusiva entre uma e outra, vamos ter de enfrentar os desafios da nova evangelização sem termos demasiada experiência de as articular simultaneamente.

5.2 Pessimismo versus ingenuidade

Quem quer fazer hoje PJ parece estar destinado a encalhar num destes dois perigos. Uns deixam-se dominar pelo pessimismo. Ou porque a sua leitura do mundo juvenil lhes diz que os jovens não estão abertos à vida evangélica ou porque pressentem que a Igreja não tem já a força, os recursos, para levar o Evangelho aos jovens.
Outros fazem uma leitura tão benigna da realidade que chega a ser ingénua. Tendem a aceitar acriticamente os dados da realidade sem os questionarem e sem gerarem propostas de vida alternativas.
Talvez os Lineamenta nos possam ajudar. Eles sugerem que a nova evangelização tem de ser feita num esforço constante de discernimento. Ele permite uma interpretação de fé da realidade, com as suas mudanças e tensões, com os seus desequilíbrios e perda de pontos de referência. Diante da tentação de uma avaliação a preto e branco, feita de condenações apressadas ou de desculpas rápidas, os Lineamenta optam por ver desafios. Assinalam com coragem os valores negativos, assumem os positivos. Propõem-se purificar e fazer amadurecer todo o potencial de bem espalhado em qualquer lado.
A nova evangelização, também no mundo dos jovens, não perde tempo com vitimismos, condenações, cepticismos ou exaltações superficiais. Abre-se ao sopro do Espírito, aprende na escola de Jesus, a “individuar aqueles caminhos que Deus, através do seu Espírito, está a construir para Se manifestar e Se deixar encontrar pelos homens” (LN 4).

5.3 Espiritualidade versus fé

Muita da contestação aos dogmas da teoria da secularização não está na adesão às propostas religiosas formais, protagonizadas por novas e/ou tradicionais igrejas. Está nesse difuso (e confuso!) movimento, sensibilidade, interesse… espiritual. Espirituais não religiosos, como se designam a si mesmos.
São muitas as pessoas desencantadas com o paradigma da racionalidade tecnológica que procuram razões mais profundas de sentido.
Mas este desejo de sentido, esta procura de uma nova e melhor qualidade de vida está a encontrar resposta em modelos cuja arquitectura é incompatível com a fé cristã. Os processos de salvação são intramundanos. Não pretende deixar de lado o individualismo. Recusa o papel humanizante da razão. Tende a um sincretismo que dissolve todas as diferenças.
Esta sensibilidade espiritual joga na mesma liga que nós, tem muitos dos mesmos interesses que nós. Até porque é no campo da oração, da espiritualidade, que têm crescido experiências bem interessantes de pastoral juvenil.
Que fazer? Optar pelo ostracismo? Fazer uma aliança entre a pastoral mais espiritual-individualista e esta doce sedução do Aquário?
Parece-me que esta será uma das tensões mais difíceis de resolver.

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (4)

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4. As passagens

Como assegurar que essas metas, se aceites, poderão ser implementadas? Ou melhor: como assegurar que se vão desencadear os processos, necessários e suficientes, para que a comunidade eclesial avance rumo a essas metas?
Essa resposta deve ser dada por verdadeiros projectos de pastoral juvenil.
Não me atrevo aqui a enunciar um projecto de pastoral juvenil. Até porque a experiência mostra que os bons projectos eclesiais, aqueles que funcionam, nascem com forte envolvimento de todos os intervenientes e não da cabeça de conferencistas.
Aqui, vou limitar-me a elencar alguns saltos de qualidade, algumas mudanças que, a meu ver, são condições sine qua non, para que possam aparecer projectos de qualidade, geradores de uma prática renovadora e alternativa em relação ao presente.

4.1 De não-PJ a uma PJ rica e consistente

Não há dados sérios, consolidados e credíveis sobre a pastoral juvenil que se faz em Portugal (na versão “ampla” de PJ que defendo). Mas é evidente que ainda é muito forte a convicção que acredita (por omissão de acção, principalmente) que não faz sentido haver uma pastoral juvenil.
Enquanto a igreja portuguesa não se converter e se convencer que é possível e necessária a pastoral juvenil, continuaremos a hipotecar sucessivas gerações de jovens. Que se tornarão adultos distantes.
Mas esta necessária conversão não consiste num “depressa e em força” para a PJ que temos tido.
Precisamos de, na PJ como em toda as outras actividades eclesiais, superar a inércia da cristandade. Colocar o mundo dos jovens na nossa agenda mental e espiritual. Deixarmos de reduzir a PJ a uns grupos residuais ou ao consumo de umas actividades avulsas. Elevarmos substancialmente a fasquia de qualidade e quantidade dos operadores pastorais envolvidos.
Esta PJ rica e consistente atinge-se amando, e não apenas tolerando, a diversidade que nos enriquece. Promovendo a circulação de informações e experiências entre todos os agentes que já estão no terreno. Mesmo entre aqueles que parecem mais relapsos à comunhão.
Passa por uma política de empowerement dos agentes pastorais. Que vai melhorando as práticas de recrutamento e formação dos operadores.
Que torna a PJ uma realidade acolhida e amada por toda a comunidade eclesial.

4.2 Método: da socialização-instrução à animação

Podemos dizer que muita da pastoral juvenil que temos, continua a ser feita a partir do binómio socialização-instrução, nesse binómio que o regime de cristandade desenvolveu e usou. Não só porque muitos jovens que se afastam da Igreja identificam explicitamente a “disfuncionalidade” desse paradigma metodológico como rastilho do seu afastamento. Mas também porque uma boa parte das tentativas de renovação que vão aparecendo não conseguem descolar desses modelos.
Que método alternativo? Método é a selecção e organização dos recursos disponíveis e das operações praticáveis, que serve para criar as condições favoráveis para atingir os objectivos, atendendo às diferentes situações de partida.
Será possível escolher “um” método quando as condições de partida são tão diversificadas? Quando os objectivos pastorais são também eles plurais? Em teoria, sim. O que deve absolutamente ser recusado é a desatenção ao método (que serve como pretexto para regressar ao binómio instrução-socialização), o “achismo” dos amadores incompetentes e arrogantes, ou dos neogurus que trocam o método pelas suas pseudo-intuições carismáticas.
Falo de método e não de manipulação. Procuramos um método que crie condições favoráveis; não um conjunto de truques que “obrigue” os destinatários aos resultados, curtocircuitando a sua liberdade e participação.
Não sei se teremos de chegar a um método único em PJ. Mas defendo os méritos da animação. Tenho bem claro que a animação não é a aplicação casual de técnicas atraentes. Há diferenças claras entre uma animação verdadeira, rica de conteúdos de fé e culturais e um simulacro de animação, feito de improvisações casuais.
Defendo a animação como método porque é, no horizonte pedagógico contemporâneo, a abordagem com mais semelhanças com a prática de Jesus de Nazaré.

Ela permite um modo adulto de acolher o mundo juvenil. Promove uma relação de comunicação autêntica entre todos os envolvidos. Consegue oferecer a todos (grupos, sujeitos, comunidade), na sua diferença, a possibilidade de trilhar um itinerário diversificado mas com metas comuns. É das poucas abordagens que garante uma forte ligação entre os objectivos que se desejam atingir e as situações de vida diversificadas de que se parte. A animação cresce e é teorizada originalmente no campo da educação não formal. Mas as suas intuições têm sido implementadas com sucesso no mundo da escola, da catequese, do acompanhamento vocacional.

4.3 Empowerment: da gestão miserabilista ao incremento de recursos

Um bom método não se contenta com a gestão dos recursos disponíveis. É capaz de programar novos recursos.
O mundo da pastoral de jovens talvez seja aquele em que a desproporção entre a quantidade-qualidade de recursos e os desafios seja mais desfavorável.
É aqui, ao nível dos recursos da PJ, que mais se nota a dimensão do bloqueio em que estamos. Uma boa parte dos operadores é bastante auto-suficiente e incompetente; nunca viu outra pastoral juvenil do que a que temos, nunca teve acesso a projectos mais ambiciosos, não se consegue sequer sentir frustrada com as rotinas existentes. E por isso não se tenta melhorar-promover nem luta para recrutar outras forças. Uma minoria, mais lúcida, sofre de excesso de realismo. Já experimentou muita coisa… sem grandes resultados. Acomodou-se a fazer a gestão do possível, muitas vezes mudando apenas o necessário para deixar tudo na mesma.
É claro que, de vez em quando, cai aqui, de pára-quedas, um utopista, daqueles que sonha um futuro sem qualquer relação com o presente. São daqueles epifenómenos, muito localizados no espaço e no tempo e que rapidamente evoluem para uma das duas situações anteriormente descritas: a irrelevância ou a resignação.

A melhoria dos recursos passa por três estratégias coordenadas. A primeira é a do empowerement dos recursos existentes. Desculparão o uso do inglês; mas em várias áreas de saber e de intervenção este conceito de empowerement (fica ridículo traduzir por “empoderamento”) descreve bem o empenho dos sistemas em capacitar mais os seus recursos, através da melhoria da formação, dos processos, da responsabilização. Empowerement é a alternativa de que precisamos para dar a todos os que se envolvem na PJ uma maior autonomia, que torne a todos mais capazes de poder tomar decisões, de optar conscientemente, de construir alternativas.
A segunda é um investimento forte no recrutamento de novos recursos. A terceira é a subida progressiva dos níveis mínimos de competência aceitável.

4.4 Do atomismo de actividades a um verdadeiro projecto

Quando saímos do nível local, quando subimos no organograma eclesial, falar de PJ é falar das actividades que se fazem. Umas mais lúdicas, outras mais espirituais. Umas bem conseguidas, outras vergonhosas.
Os órgãos e plataformas de convergência da PJ entendem-se a si mesmos como organizadores de actividades. Não como dinamizadores de verdadeiros projectos. Uma consulta aos sites dos departamentos diocesanos de pastoral juvenil não mostra projectos ou mostra, sob o título de projectos, listas de actividades.
Os clássicos da pastoral dizem que um projecto se define pelos seus objectivos, pela análise da situação, pelo método e pela avaliação. Mas, prévio a estes elementos está o alcance do projecto: para quem é o projecto, quem se envolve nele, a quem pretende chegar? Seria de supor que o projecto de uma estrutura nacional ou diocesana de PJ teria como referentes todas as forças vivas da PJ e todos os jovens do território. Suposição errada, segundo o que conseguimos ler. A esmagadora maioria dos projectos diocesanos é para os aparatchiks, para as próprias estruturas. Deveria ser óbvio, mas não o é: uma estrutura diocesana que faz um projecto, deve colocar-se como núcleo animador de toda uma diocese. A verdade é que se prefere fazer projectos em que o alcance é o próprio umbigo.

Se superarmos este umbiguismo, poderemos construir projectos. Formalizar práticas de mudança ambiciosa. Com objectivos claros. Ou seja, com conjuntos bem definidos de competências que formam o ponto de chegada. Com objectivos diferenciados. Com objectivos gerais que dão as grandes linhas de rumo. Com objectivos que descrevem as competências concretas, que indicam o caminho operativo e as metas progressivas para atingir a meta final. Com objectivos de carácter quase comportamental, que exprimem em modo verificável as indicações dos dois níveis anteriores.
Precisamos de projectos com uma boa leitura da situação de partida. Uma leitura não burocrática mas informada por um olhar de fé e orientada segundo preocupações educativo-pastorais.
Com uma explicitação dos métodos que se propõem para criar as condições favoráveis à consecução dos objectivos.
Com práticas de avaliação serenas e objectivas. Com uma avaliação feita ao longo da execução ou no final do projecto que permita perceber o mérito teológico-pastoral do projecto, a adequação aos destinatários e aos recursos disponíveis e o seu grau de execução.

4.5 Do “one size fits all” a uma lógica de iniciação cristã

Uma PJ em chave de nova evangelização terá de superar o monolitismo pastoral, a procura ingénua de um qualquer truque pastoral que permita levar o evangelho a todas as pessoas, independentemente da sua condição e da sua caminhada pessoal de fé.
Um olhar minimamente lúcido sobre o pluralismo da realidade que nos rodeia leva rapidamente a concluir que não é possível uma pastoral juvenil standard, one size fits all, um modelo que sirva a todos os tamanhos. Mas será que isso nos obriga a desistir de projectos pastorais unificados? Não. O paradigma da iniciação cristã cruzado com a Evangelii Nuntiandi oferece uma via da saída. Garante respostas diferenciadas para situações de fé diferentes. Garante unidade e continuidade dinâmica à intervenção eclesial.

Fazer pastoral juvenil numa lógica de iniciação cristã vai ser uma carga de trabalhos. Vai implicar fazer muito mais e muito melhor. Implica começar a estar presente, de forma mais consciente e orgânica, no mundo dos jovens onde a vida é frágil ou é negada: o desemprego, a violência doméstica, a toxicodependência, a perda de sentido, a eternamente adiada educação sexual, a incerteza face ao futuro, a imprevisibilidade como estrutura permanente… oferecendo presença e acolhimento. Implica (e isso é que vai obrigar a uma grande criatividade) práticas mais generosas de primeiro anúncio, dizer a nossa fé de forma assertiva e significativa para os padrões culturais dos jovens que encontramos. Implica uma catequese séria que acompanhe até à maturidade de fé. Uma catequese com catequistas mais bem formados. Uma catequese e uma educação religiosa que não esteja neste curioso regime de livro único, estranha sobrevivência dentro da Igreja portuguesa da lógica de centralismo democrático que a queda do muro de Berlim em 1989 deveria ter derrubado de vez.
Implica uma iniciação efectiva aos sacramentos, que tem de ser bem mais do que conformidade litúrgica e ritual; tem de ser um habilitar os jovens a viver quotidianamente na graça dos sacramentos. Implica uma iniciação às várias formas de ser Igreja. O que nos coloca em cheio no tema, sempre adiado, ou reservado a nichos muito restritos, da pastoral vocacional.

4.6 Do status organizativo a uma comunhão rica de diversidades

As estruturas eclesiais de governo, coordenação e animação da pastoral juvenil têm de se sujeitar a uma profunda metanóia quanto à sua autodefinição. Terão de deixar de funcionar na lógica burocrática e aparelhística (em que os melhores recursos são consumidos a manter o establishement) e passar a actuar como catalisadoras de mudança, plataformas de encontro e diálogo que promovem uma melhor articulação entre legítima pluralidade e necessária comunhão.
Este tema do pluralismo e da diversidade intra-eclesial tem de deixar de ser visto com uma tolerância paternalista e passar a ser apreciado como um dom poderoso da multiforme criatividade do Espírito.
Uma Igreja que quer ser significativa num mundo e numa cultura, plural, globalizado e fragmentário como o nosso, faz bem em promover a diversidade de carismas e propostas; isso assegura a possibilidade de o Evangelho ser anunciado num espectro largo de registos comunicativos.

4.7 Do “business as usual” aos cenários da Nova evangelização

Não há grande sensatez pastoral nas revoluções dramáticas, nas propostas que rompem a continuidade com o passado, que têm a pretensão arrogante de começar tudo do zero. Mas, o contexto em que estamos e a resposta que a nova evangelização pretende ser não admite imobilismos que se disfarçam de continuidade.
Os cenários em que o evangelho deve hoje ser dito são verdadeiramente novos.
É o cenário cultural marcado profundamente pela secularização, pelo fenómeno migratório e pelo conexo pluralismo cultural e religioso, pelo forte impacto dos meios de comunicação social.
É a forte incidência da dimensão económica e o extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico.
Se queremos que o evangelho possa continuar a ser anunciado com sucesso aos jovens, há que aceitar que vivemos num novo contexto. E desencadear um esforço concertado de inculturação neste novo mundo.
Normalmente, faz-se apelo ao conceito de inculturação apenas em contexto de missão. Como se nós, os evangelizadores da velha Europa estivéssemos dispensados de retraduzir o evangelho de sempre nas categorias culturais hoje dominantes.
Seria bom que este tema do diálogo com a realidade sociocultural em que estamos mergulhados deixasse de ser uma chinesice de intelectuais. A tal cultura pós-moderna (ou hiper-moderna ou tardo-moderna) não existe só nem principalmente nos escritos arduamente compreensíveis de filósofos de nome impronunciável. Existe, primariamente, como cultura popular.
E é também em diálogo com esta cultura popular que devemos estar disponíveis para renunciar às nossas rotinas, às nossas sínteses teológicas e existenciais.
A cultura popular é uma realidade plural, fluida, contraditória… que resiste a tratamentos analíticos seguros. Mas atrevo-me a deixar aqui alguns dos seus traços, com um potencial evangelizador óbvio: a ideologia do amor romântico , o papel das emoções fortes , o espaço povoado entre o céu e a terra .
Mas além dessa cultura popular, há que perceber que a Nova Evangelização, em Pastoral juvenil, se faz no cenário na educação. Na capacidade de dizer a fé em categorias culturalmente relevantes.

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (3)

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3. As metas

Posto tudo isto… e agora? Por onde começar a desenhar uma PJ no contexto da nova evangelização? Comecemos então, não pelo princípio mas pelo fim. Por clarificar as metas que devemos atingir. Não estamos ainda ao nível dos objectivos pedagógicos, empiricamente verificáveis. Estamos ao nível dos ideais que, não sendo utópicos, nascem do discernimento eclesial.

3.1 O perfil do crente

Começamos por explicitar o perfil do crente . Assumimos que a meta da PJ, como de toda a evangelização, deve ser o adulto crente. Porque só essa meta realiza em pleno a nossa humanidade. Porque apontar a menos que isso é uma dupla traição: aos jovens e ao Evangelho.

3.1.1 O quotidiano

Procuramos um crente que veja na vida concreta o lugar do encontro com Deus. Na raiz desta visão positiva da vida está a força da Incarnação do Verbo. Desde Jesus, o lugar para encontrar Deus é a realidade humana. Procuramos um crente capaz de reflectir sobre a própria vida, capaz de descobrir os valores que se encontram no quotidiano, capaz de assumir com coerência a existência, valorizando tudo o que ela tem de positivo. Mas esta espiritualidade do quotidiano manifesta-se também como sentido crítico face à cultura dominante, como apelo a gerar, aqui e agora, uma cultura e um estilo de vida alternativos em relação ao modelo dominante.

3.1.2 Alegria e optimismo

Procuramos um crente que reage ao cinzentismo cínico dos dias de hoje com alegria e optimismo. Alegria e optimismo que não nascem do politicamente correcto mas da experiência gozosa da vitória de Cristo ressuscitado contra todas as forças do mal e da morte. Procuramos um crente que, mesmo no meio das tantas dificuldades da vida, sabe que a vida tem sentido. Esta atitude constante de alegria e optimismo torna-se um estímulo para um empenho pessoal na construção de uma personalidade mais madura. E torna-se testemunho provocante para todos os desanimados.

3.1.3 Uma forte amizade com Jesus, o Senhor

No centro existencial deste crente está a pessoa e o mistério de Jesus Cristo. O jovem que sonhamos não se contenta com uma vaga simpatia face ao Nazareno. Quer estreitar laços de amizade profunda com Jesus. Amizade que se concretiza no conhecimento aprofundado da verdade que Ele nos deixou e na adesão entusiasmada à sua pessoa e à sua causa. É esta relação de proximidade com Jesus que permite o acesso ao rosto verdadeiro de Deus Pai e ao dinamismo poderoso do Espírito.
Esta relação de amizade é alimentada na escuta da sua Palavra e na celebração dos seus sacramentos, fonte de vida nova.

3.1.4 Em forte comunhão eclesial

Num tempo de forte individualismo, afirmamos a Igreja como espaço onde Cristo Se oferece e pode ser encontrado. Falamos da Igreja ideal e da Igreja concreta, com as suas debilidades e contradições, sempre animada pela presença do Ressuscitado. Propomos a Igreja como católica, universal: casa comum onde todos os que se deixam amar pelo Senhor têm lugar, apesar das diferenças.

3.1.5 Em ordem ao serviço responsável

O crente que sonhamos tem uma convicção: que a vida é vocação, projecto a descobrir e realizar. Na categoria de vocação convergem a iniciativa de Deus e o desenvolvimento pessoal. Procuramos um crente que configura o seu estilo de vida, a sua colocação na sociedade, na mesma lógica de Jesus: como serviço e doação de vida.

3.2 A Igreja a construir

O Vaticano II e o magistério posterior fizeram um belo trabalho ao pensar trinitariamente a Igreja. Alguns confundiram o esforço de renovação com uma acomodação a modelos sociológicos contemporâneos. O que gerou algum bloqueio operacional na renovação das nossas práticas de ser Igreja. Mas as dificuldades não nos podem eximir de procurar as opções concretas que devem configurar o rosto da Igreja no século XXI.

3.2.1 Uma Igreja de adultos e não de consumidores infantis

Procuramos uma Igreja feita de gente com fé adulta, autónoma, interiorizada. Uma Igreja cujos fiéis superam uma fé sempre em segunda mão ou uma fé hibridada com as ideologias dominantes. Uma Igreja que estimula as pessoas a tornarem-se adultos livres, conscientes, responsáveis. Uma Igreja que trata a todos como adultos. Na gestão das decisões, nas propostas pastorais, na co-responsabilidade. Uma Igreja que supera de vez os novos e velhos clericalismos.

3.2.2 Uma Igreja que acolhe diferentes velocidades e participações

Entre uma Igreja de ampla adesão e baixa qualificação e a tendência sectária (estilo “poucos mais bons”) é possível imaginar uma Igreja que quer adultos fortemente comprometidos e, ao mesmo tempo, não fecha as portas aos peregrinos e aos convertidos. Àqueles que não são ainda cristãos adultos.

3.2.3 Igreja-comunhão feita com fortes interacções

Uma Igreja que queira ser no tempo da pós-modernidade, continuação da comunhão trinitária, tem de se tornar um espaço pleno de interacções ricas e frequentes. Um espaço onde se supera a atitude “clientelar” e o dirigismo vertical. Uma Igreja onde, a todos os níveis, os contactos, as trocas, o fluxo de vivências e informação são facilitados e promovidos. Uma Igreja assim, corresponde à sua matriz criadora (que vos ameis uns aos outros como eu vos amei) e assume-se como contracultura do individualismo reinante.

3.2.4 Uma Igreja atenta aos mais frágeis

Esta Igreja que sonhamos aprende com o Senhor Jesus a manter a comunhão. Mas, ao mesmo tempo, está em movimento para ir ao encontro dos mais frágeis, dos mais pobres. Sabe identificar à luz da fé as novas e velhas pobrezas e sabe reconfigurar-se em ordem à partilha.

3.3 Uma sociedade nova

Em termos de metas, um projecto de pastoral juvenil deve fazer opções quanto ao tipo de presença transformadora no mundo que queremos ser. Não bastam as exigências relativas à condição juvenil; um projecto de pastoral juvenil não renuncia a educar os jovens à dimensão económica, social, ecológica, política. Só assim se garante que as novas gerações eclesiais vão ser fermento activo na transformação da sociedade.

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (2)

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2. Os pressupostos

Feitos estes esclarecimentos terminológicos, sinto que devo explicitar alguns dos pressupostos em que me baseio. São bem aceites entre muitos especialistas mas tenho consciência que são discutíveis. Vou elencá-los e tentar justificá-los.

2.1 Juventude diferenciada

O primeiro é que não há “juventude” como uma realidade unificada sociológica e culturalmente . À expressão “a juventude” no singular, não corresponde univocamente uma realidade única. Os sociólogos falam de juventude, os psicólogos distinguem entre pré-adolescência, adolescência e jovens adultos. Não me adentro nessas infinitas distinções. Ainda que com impropriedade, falo de juventude como aquele tempo que decorre entre a infância e a idade adulta. É claro que ele existe, tem uma duração consistente e é observável. Mas essa condição juvenil (definida pela idade e pela adiada autonomia da idade adulta) não é condição suficiente para descrever-definir o objecto em estudo. Não só porque a configuração das variáveis sociológicas de descrição (tempo de duração dos estudos, permanência em casa dos pais, iniciação sexual, conjugalidade, maternidade-paternidade) permite, só no contexto europeu, quatro modelos bem diferentes .
Mas mesmo dentro do nosso contexto sociocultural há outras variáveis que moldam decisivamente o mundo dos jovens para lá da sua condição juvenil: o sexo, o estatuto social e económico das famílias, a corrente cultural, a localização geográfica.
Quando ouço um político ou um responsável eclesial dizer “os jovens são…” ou “a juventude isto”… fico completamente arrepiado. Porque persistem em ver os jovens como um bloco unificado, abafando as diferenças profundas, escamoteando a vida vivida, concreta, no que de belo e trágico ela traz.
E para complicar (ou enriquecer) as coisas temos a diferenciação que acontece dentro de cada jovem. De acordo com o contexto em que se está, assume-se um conjunto de práticas e valores, o que os faz assemelhar aos camaleões.
Se os jovens não são uma realidade unívoca, em termos sociais e culturais, não faz sentido uma pastoral juvenil monolítica, desatenta às clivagens de género, à tensão urbano-rural, Norte-Sul, à estratificação económica, ao capital cultural.

2.2 Evangelização diferenciada

O segundo pressuposto é, também ele, um apelo a diferenciar. Desta vez no plano pastoral. Felizmente, o Vaticano II e o magistério das últimas décadas veio sanar uma certa esquizofrenia pastoral. Durante séculos não houve solução de continuidade teológica entre evangelização explícita (ligada ao formalmente religioso) e desenvolvimento humano. O Vaticano II afirma claramente a unidade da pastoral: inspirada na praxis do Senhor Jesus, a Igreja só pode continuar a semear o Reino. Esse é o denominador comum que dá unidade à liturgia, à experiência mística, à intervenção social e política, à luta pelo desenvolvimento dos povos, à consciência ecológica. Esta consciência da unidade pastoral é uma bênção.
Uma bênção que não se deve tornar redução e uniformidade. retomando a EN, sabemos que a única pastoral da Igreja, continuadora na história da praxis de Jesus, se deve diferenciar de acordo com o grau de adesão dos destinatários ao ideal proposto por Jesus. A diferenciação de fé dos destinatários pede uma resposta diferenciada nos agentes, nos conteúdos e nos métodos.
A conjugação destes dois pressupostos leva-nos a perceber que uma pastoral juvenil de qualidade vai ter em conta a pluralidade de condições (sociais e religiosas) dos destinatários.

2.3 Pastoral juvenil como possível e necessária

E já que estamos em pressupostos, permitam-me mais um. Possivelmente o mais contra-intuitivo de todos, no nosso contexto português.
Tenho como ponto assente que a pastoral juvenil é possível e necessária.
Tomo posição contra quem diz (pelos gestos e pelas omissões) que a pastoral juvenil não é necessária. Possivelmente porque considera que a instrução dada na infância basta para assegurar uma identidade crente. Ou porque considera que o comércio de ritos assegura a fidelização do cliente. Contra esta prática que acha desnecessária a pastoral juvenil, defendo que uma Igreja que não acompanha os jovens nesta fase de definição da sua identidade está a desistir do seu próprio futuro. Está a resignar-se a ser, cada vez mais residualmente, uma ONG filantrópica ou um mero ponto de abastecimento de ritos e bens religiosos. Uma Igreja que não quer fazer pastoral juvenil é uma Igreja que não quer que as novas gerações se apropriem pessoalmente do património de fé.
Outro desafio que a pastoral juvenil em Portugal enfrenta é a desistência daqueles que, embora querendo uma pastoral juvenil, sentem que nenhuma é possível. Uns porque acham que o Evangelho passou o seu prazo de validade e não é hoje capaz de suscitar entusiasmo e vida nova. Outros porque consideram que “esta juventude está tão desgraçada”, tornou-se de tal modo uma massa damnata, que está para lá de qualquer possibilidade de redenção.
A minha convicção que a pastoral juvenil é possível, contra este desânimo, não nasce de pragmatismo, nem da ideia que há por aí algures um qualquer truque pastoral que permita superar os obstáculos; é uma opção de fé, teologicamente fundada.
Estou convencido que o bloqueio em que a PJ está em Portugal nos últimos 20 anos não resulta principalmente de erros operacionais ou organizativos. É bem verdade que os houve e que continuam a ser clamorosos. Mas radicalmente, o problema da PJ é teologal. Ou aceitamos, radicados na fé, que o Espírito do Ressuscitado, na mediação eclesial, continua a oferecer salvação, vida abundante, a todos, também aos jovens… ou desistimos.
Mas tem sentido falar de uma pastoral de jovens distinta da pastoral “geral” que a Igreja faz? Sim, na medida em que a especificidade e fragilidade do grupo-alvo o exige.

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (1)

Vou aqui pondo algumas ideias que partilhei em Braga, esta semana, na XX semana de estudos teológicos.

1. As palavras-chave

Talvez convenha começar por esclarecer os termos. Confesso que, como muitos outros, não sou capaz de apresentar uma definição redondinha de “nova evangelização”. Se sairmos do mundo cómodo da propaganda eclesiástica, verificamos depressa que “nova evangelização” é uma expressão algo ambígua. “Nova” em que sentido? No sentido em que a “velha” não funcionava? “Nova” como moda nova? Pedi ajuda aos lineamenta do próximo sínodo mas não encontrei uma definição cabal; antes, encontrei dez descrições diferentes . Prefiro, com humildade, assumir que a Igreja hoje, como sempre, tem de fazer evangelização, isto é, dar testemunho, por palavras e obras, da experiência de ser tocada e transformada pela Boa Nova de Jesus nazareno morto e ressuscitado . E esta evangelização hoje, neste contexto em que o modelo eclesial e pastoral desenvolvido em Trento, durante tantos séculos bem sucedido, não funciona já, tem de ser nova nos métodos, no ardor e nas expressões.
Portanto não se trata de uma praxis que invente um novo evangelho nem de uma praxis que valorize tanto a continuidade que deixe tudo na mesma.
Quando à pastoral juvenil, o outro tema do binómio que dá nome a esta intervenção, sinto-me com mais sorte. Entre os especialistas sabe-se com clareza o que é pastoral juvenil. Mas no senso comum das pessoas de Igreja (jovens, adultos, padres, estudantes de teologia, bispos…), a expressão é pouco ou mal compreendida.
Os livros entendem pastoral juvenil (ou de jovens) como a praxis desenvolvida pela Igreja, animada pelo Espírito do ressuscitado, para levar o Evangelho aos jovens. Não se trata portanto de uma “pastoral a brincar” feita pelos jovens, estilo as jotas partidárias. Não se trata de uma pastoral de entretenimento, destinada a “segurar” os jovens com umas actividades giras, incapaz de propor o Evangelho da sua totalidade.

2012/01/31

e elas não rezam?!

Hoje foi mais dia de festa que dia de estudo mas alguma coisa se fez.
Continuo a trabalhar as variáveis dos inquéritos europeus. Desta vez, a frequência da oração pessoal.
Nada de especial a assinalar: os mais velhos rezam mais do que os mais novos, as mulheres rezam mais do que os homens.
Excepto... na geração nascida nos anos 90. Aqui elas rezam bem menos do que os homens.
Já vimos que a respeito da frequência ao culto se passa o mesmo: contrariando as posições relativas das gerações anteriores, elas frequentam menos que os homens.
Estou a ficar curioso. Será só efeito da homologação de comportamentos?
Alguma conversa ouvida em paragem de autocarro a uma senhora de certa idade e com uma linguagem pouco senhoril levanta uma hipótese pouco académica: "elas agora são piores do que eles". A dita senhora referia-se à conduta sexual delas.
A brincar, a brincar não sei. Não tenho ideia nenhuma que a tese da senhora do autocarro é verdadeira.
Mas, e se estiver a haver algo que leve a nova geração de mulheres a um padrão de comportamentos muito diferente das gerações anteriores?

2012/01/30

ainda às voltas com a frequência à missa

Para as gerações nascidas entre os anos 30 e os anos 80, a prática religiosa vai sempre diminuindo. Há apenas 2 excepções a esta regra. A geração nascida antes dos anos 30: a sua menor prática (em relação à dos anos 30) pode dever-se às limitações de deslocação que a idade e a falta de saúde impõem; ou pode dever-se também ao facto de ter sido uma geração que nasceu, cresceu e se educou durante a 1ª república.
A geração mais recente (nascida depois de 1990) tem valores de frequência superiores à dos anos 80. Mas é difícil saber o que isso significa ou quais as causas. Os valores de geração nascida depois de 1990 são, ainda assim, bastante mais baixos que a média da amostra. Aliás são somente superiores à da geração nascida nos anos 80. Será que a tese tradicional segundo a qual a prática diminui com as novas gerações se está a alterar? É prematuro afirmar isso.
Usando os dados de ESS2002 (8 anos antes) verificamos uma distribuição semelhante à de ESS2010.
Também aqui se verifica que a geração mais jovem (neste caso a nascida nos anos 80) tem uma frequência de culto superior à da geração anterior (16,2% de prática regular contra 16% da geração de 70). Mas 8 anos depois (em 2010) essa geração de 80 tinha baixado a prática regular para 14,2. Curiosamente, a geração de 70 sobe (em 2010) para 20,6%.

e para complicar:

O cruzamento entre o sexo e as gerações de nascimento ajudam a perceber que talvez haja algo a acontecer. Em quase todas as gerações, os níveis de frequência das mulheres são mais altos. Excepto para a geração nascida nos anos 90.
Geração Sexo Semanais Ocasionais Nunca
90 Masculino 18 50 32
Feminino 15,3 32,3 52,3

A percentagem de homens a ir semanalmente à missa é maior do que a de mulheres 2,7%. A percentagem em si pode não ter grande significado, dado que neste subgrupo estamos a lidar com um contingente baixo. Mais interessante é o facto de a percentagem de mulheres que nunca vai à missa superar os 50% e ser bastante mais alta que a dos homens.
O problema é que estes dados só aparecem no ESS2010.

Em ESS 2008 as percentagens de frequentadores semanais voltam a ser dominadas pelas mulheres (com uma pequena diferença). Mas mais significativo é que a percentagem de mulheres que nunca vão à missa volta a superar a dos homens.
ESS 2008 Semanais Ocasionais Nunca
Masculino 21,3 41 37,7
Feminino 23 27 50

Seria necessário verificar se a tendência detectada em ESS2010 é real.
A hipótese da crescente homologação de comportamentos entre homens e mulheres, na sociedade portuguesa, poderia explicar em parte esta tendência.

2012/01/29

Para dar sinal de vida

Nas últimas semanas tenho, finalmente,começado a redigir a tese. Ou melhor: ajuntado textos e rabiscos para a tese.
O importante é que já não estou apenas na fase de ler e pensar; j+a estou mesmo a seguir os items do meu projecto.
Para não haver tentações resolvi começar pelo princípio (o state of the art). E dentro deste tópico peguei pela zona em que estava menos à vontade: a sociologia da religião.
A coisa não é difícil de perceber; mas as teorias são muitas, dificilmente compatíveis. e os dados não se prestam muito a infirmar ou confirmar nenhuma.
Bom... algumas coisas com que me ocupei hoje:
1. desde meados dos anos 90 que a % de frequência à missa não baixa. O que pode significar que o quase dogma da secularização tem muito que se lhe diga.
2. A maneira como isto da missa é vivida pelas várias gerações varia muito. Ainda estou nisso, mas parece que a geração mais nova tem valores mais altos que a precedente. Amanhã verei com mais calma.

2011/12/12

A anomalia da RDA

Recomendo: FROESE Paul//PFAFF Steven, Explaining a religious anomaly: a historical analysis of secularization in Eastern Germany em JOurnal for the scientific study of religion (2005) 44(4): 397-422.
Quando se tenta explicar sociologicamente a situação religiosa actual, recorre-se quase sempre a uma de duas teorias (ou grupos de teorias): a teoria da secularização e a teoria do mercado religioso.
A teoria da secularização (nas suas inúmeras variantes) é bastante conhecida. Em traços gerais e simplistas afirma que a modernidade, o desenvolvimento científico, o crescimento económico actuam como forças que retiram espaço aos fenómenos religiosos.
É uma teoria que entrou no senso comum e é habitual encontrar responsáveis eclesiais que a subscrevem acriticamente. [E que depois se encontram à rasca para desenhar uma pastoral minimamente criativa!]
Tem alguns limites. O primeiro é que não explica o crescimento religioso dos últimos 30 anos a nível mundial e a relevância que as religiões têm hoje. A segunda (e mais grave, a meu ver) é que entende as pessoas e os agentes religiosos como "sitting ducks", que se limitam a esperar sentados, sem nada fazer para reagir à erosão provocada pela modernização (essa malvada!).
Tendo a desconfiar de todos os modelos que não reconhecem agência (capacidade de actuação) às pessoas e aos grupos.
A teoria do mercado religioso é menos conhecida em Portugal. Mas vai sendo cada vez mais maioritária.
No fundo aplica o modelo económico da oferta e da procura aos processos religiosos. A tal erosão religiosa provocada pela secularização aparece como uma diminuição da procura. Mas, tal como no mercado, a oferta religiosa pode reconfigurar-se para corrigir essa situação. E mais: diz que a existência de uma oferta ampla e concorrencial acaba por fazer aumentar a procura.
Valia a pena aprofundar esta teoria, mas fica para outro post.
O estudo que quero comentar hoje é interessante porque evidencia os limites destas duas teorias.
Eles põem em evidência a situação dos estados da antiga RDA (Alemanha de Leste). São hoje o país com a mais alta taxa de ateísmo (25,4%) e a mais baixa taxa de pertença religiosa do mundo. E, segundo os autores, há aqui uma série de anomalias.
A teoria da secularização diria: "Cá está! Temos razão. Cresce o desenvolvimento, diminui a religião!" Errado. Isso não explica porque é que a RFA (ou hoje , os estados federados do que era a RFA) tem taxas de ateísmo muito mais baixas (7,3%) e taxas de pertença religiosa bem mais altas.
Entra a teoria do mercado religioso: "Ah, com o comunismo e tal e coisa, as condições do mercado religioso foram distorcidas mas agora com a liberdade a pertença religiosa vai aumentar".
Pois... isso verifica-se em todo o antigo bloco soviético (baixa o ateísmo, sobre a pertença religiosa... ao mesmo tempo que há mais liberdade, mais individualismo, mais desenvolvimento económico)... mas não na RDA. Estes valores da RDA são anormais, mesmo em comparação com os vizinhos ex-comunistas.
E, para complicar... já disse que a taxa de ateísmo cresce... depois da queda do muro de Berlim?
De 1990 para 1995 a % de ateísmo subiu dos 21% para os 25. Nos outros países ex-comunistas está sempre abaixo dos 10%. E tem vindo a baixar.
Os autores do estudo defendem que esta anomalia obriga a ser mais exigente nas explicações sociológicas. Não basta agarrar uma teoria one-fits-all.
Ao longo do artigo eles vão tentar explicar como a história civil, política, cultural, eclesial é necessária para explicar os resultados actuais.
Simplificando:
começam no século XIX, com a industrialização e com a urbanização massiva. Os conflitos sociais que se geram vão encontrar as igrejas do lado do status quo, opostos aos interesses de mais direitos para o proletariado. Podemos recordar Marx e o ópio do povo. Não esquecer que na Alemanha as igrejas têm uma forte ligação ao estado. Por outro lado, os territórios da RDA são dos mais industrializados da Alemanha. E onde a clivagem contra a religião se vai fazer mais sentir.
As igrejas (mais a luterana dominante do que a católica, mas...) além de não sintonizarem com os grandes desafios das massas trabalhadoras (desculpem a calão leninista) não investem em pessoal nas cidades. A atribuição de recursos pastorais não acompanha a rápida urbanização. Aqui em Portugal, a partir dos anos 70... ring a bell?
A somar a isto, de 1933 a 1945, com os nazis tens uma política de estado abertamente ateia e fortemente condicionadora das igrejas (mais dos luteranos do que dos católicos, mas...)
Depois, de 1945 e 1989 a RDA é dominada pelos soviéticos e desenvolve uma política anti-religiosa muito agressiva: educação, repressão, infiltração da hierarquia por elementos a STASI... mais uma vez a política das igrejas (mais os luteranos, uma vez mais... não esquecer que naquela região são/eram a confissão maioritária) é de apaziguamento... cristãos pelo socialismo etc e tal (os idiotas úteis de Lenine...) Durante o regime socialista as igrejas da RDA não se assumiram como uma alternativa social, cultural e política ao regime vigente.
Depois da unificação as coisas "pioram" ainda mais.
Aplicam-se as leis gerais e práticas do ocidente. Os cristãos que tinham conseguido resistir são sujeitos ao imposto religioso (coisa que nunca tinha acontecido durante o comunismo)... o que levou a muitos afastamentos. Muita gente sente que houve uma colonização ocidental. E as pessoas reagem a isso recusando tudo o que vem de Oeste. Também a religião.
Por outro lado, a unificação foi muito dura em termos laborais e financeiros. E as pessoas começaram a idealizar o passado mais simples da RDA. E começaram a apropriar-se de tradições e símbolos da RDA... como o ateísmo.
Bem... to cut a long story short...
QED que a história é complicada.

2011/12/10

um inquérito à pressão sff!

No ISSP 2008 a Q16 (v33) (Das seguintes frases, indique, por favor, aquela que traduz melhor a sua opinião sobre Deus) traz-me algumas dúvidas.
É suposto o respondente escolher uma e apenas uma das opções, entre as seguintes:
N
ão acredito em Deus 1
Não sei se Deus existe nem acredito que haja maneira de saber isso 2
Não acredito num Deus personificado, mas acredito na existência de
uma Força Suprema qualquer. 3
Há alturas em que acredito em Deus e alturas em que não acredito 4
Embora tenha dúvidas sinto que acredito em Deus 5
Sei que Deus existe e não tenho qualquer dúvida a esse respeito 6
Primeira questão: As várias opções são mutuamente exclusivas? Não haverá sobreposições possíveis.
Uma outra observação:
Em várias das opções “Deus” (o objecto em estudo) não é definido nem descrito (1, 2, 4, 5, 6). Mas a opção 3 já incide sobre o conteúdo do objecto (um Deus personificado versus “uma Força suprema qualquer”).
A acção inquirida ao respondente é se “acredita”. Não se avança com uma descrição do que significa “acreditar”. Pela análise dos outros verbos presentes, “acreditar” designa a forte probabilidade de existência do objecto “Deus”. O grau mínimo de “acreditar” é “Não acredito” e o grau máximo “Sei que Deus existe”. A matizar a distância entre estes dois extremos está a “dúvida. Na opção 5 a dúvida coexiste, embora em tensão com o acreditar. O acreditar aparece suportado pelo “sentir”; o que desloca a dúvida para o campo da racionalidade.
Pode ser interessante “testar” esta questão. Pedir aos participantes para se colocarem perante cada uma das opções numa escala Likert.
Aqui está o inquérito que vai permitir testar esta coisa. Por favor, passem aos vossos contactos.

2011/12/08

Fontes para a sociologia da religião em PT

Finalmente, comecei a escrevinhar algumas coisas para a tese.
Vou deixando aqui uns resumos.

Desde o final dos anos 80, os países europeus começaram a dispor de inquéritos regulares na área da sociologia da religião.

ESS

O European Social Survey (ESS) é feito cada dois anos em quase todos os países europeus e permite medir os indicadores religiosos mais fundamentais: a pertença a uma religião, uma eventual antiga pertença, um autoposicionamento de intensidade religiosa, a frequência aos actos de culto e a frequência da oração pessoal. Este inquérito aborda muitas temáticas. O que traz a vantagem de cruzar as questões religiosas com outras.
Sendo a última das grandes séries de sondagens a aparecer, houve um cuidado muito grande com os aspectos formais e metodolóogicos: “The objective of the ESS is to design, develop and run a conceptually well-anchored and methodologically bullet-proof study of changing social attitudes and values. Achieving these aims in a cross-national context requires 'optimal comparability' in the operationalisation of the study within all participating countries. This 'principle of equality or equivalence' applies to sample selection, translation of the questionnaire, and to all methods and processes. Above all, we must ensure that all procedures and outcomes are comprehensively documented in a standard way.
Este inquérito foi realizado em Portugal continental. A omissão dos dados das Ilhas pode alterar ligeiramente os valores médios nacionais. Usa respondentes a partir dos 15 anos.

EVS

O European Values Survey (EVS) é realizado cada 9 anos (1981, 1990, 1999, 2008). Portugal só não participou na primeira vaga (1981). Há um leque amplo de questões religiosas: a pertença religiosa, as frequências de culto e de oração, os ritos de passagem, a centralidade da fé, a adesão a alguns “dogmas” da fé…
Também este projecto não inclui dados das Ilhas. Usa respondentes a partir dos 18 anos de idade.

ISSP

O International Social Survey Programem (ISSP) realiza-se em cada ano. Portugal participa desde 1997. Em cada ano há um tema sociológico diferente. A temática religiosa apareceu em 1991 (Portugal não participou), em 1998 e em 2008. Usa respondentes com idades a partir dos 18 anos.

Apesar da disponibilidade destes dados, não há muitos estudos, feitos sobre eles, no contexto português.
Todas estas séries de estudos internacionais têm a vantagem de permitir a comparação entra países e a investigação sobre tendências e fenómenos de alcance internacional. O que gera um problema de contextualização. O inquérito deve ser idêntico em todas as diferentes versões que são aplicadas nos diferentes países. Para isso as questões postas devem ser gerais e descontextualizadas. Mormente no campo religioso, não podem estar dependentes das percepções e especificidades religiosas de cada país ou região. Mas, por outro lado, “les formes de religiosité et les conceptions du divin sont três différents selon les civilizations et on peine à bien mesurer les univers religieux sans tenir compte dês spécificités d’une region” . (BRÉCHON Pierre, La mesure de l'appartenance et de la non-appartenance dans les grandes enquêtes européennes, in Social Compass, 56 (2009) 2, 163-178) A consequência é um certo genericismo das questões; omitem-se as crenças e experiências mais específicas de cada religião em nome de uma vulgata religiosa, mais ou menos consensual entre os especialistas da sociologia da religião.
Mesmo com estas limitações pode ser iluminante determo-nos a estudar os dados disponibilizados e as concepções teóricas que estão por detrás deles.