2012/02/18

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (4)

Artigo anterior desta série: As palavras-chave, Os pressupostos, as metas


4. As passagens

Como assegurar que essas metas, se aceites, poderão ser implementadas? Ou melhor: como assegurar que se vão desencadear os processos, necessários e suficientes, para que a comunidade eclesial avance rumo a essas metas?
Essa resposta deve ser dada por verdadeiros projectos de pastoral juvenil.
Não me atrevo aqui a enunciar um projecto de pastoral juvenil. Até porque a experiência mostra que os bons projectos eclesiais, aqueles que funcionam, nascem com forte envolvimento de todos os intervenientes e não da cabeça de conferencistas.
Aqui, vou limitar-me a elencar alguns saltos de qualidade, algumas mudanças que, a meu ver, são condições sine qua non, para que possam aparecer projectos de qualidade, geradores de uma prática renovadora e alternativa em relação ao presente.

4.1 De não-PJ a uma PJ rica e consistente

Não há dados sérios, consolidados e credíveis sobre a pastoral juvenil que se faz em Portugal (na versão “ampla” de PJ que defendo). Mas é evidente que ainda é muito forte a convicção que acredita (por omissão de acção, principalmente) que não faz sentido haver uma pastoral juvenil.
Enquanto a igreja portuguesa não se converter e se convencer que é possível e necessária a pastoral juvenil, continuaremos a hipotecar sucessivas gerações de jovens. Que se tornarão adultos distantes.
Mas esta necessária conversão não consiste num “depressa e em força” para a PJ que temos tido.
Precisamos de, na PJ como em toda as outras actividades eclesiais, superar a inércia da cristandade. Colocar o mundo dos jovens na nossa agenda mental e espiritual. Deixarmos de reduzir a PJ a uns grupos residuais ou ao consumo de umas actividades avulsas. Elevarmos substancialmente a fasquia de qualidade e quantidade dos operadores pastorais envolvidos.
Esta PJ rica e consistente atinge-se amando, e não apenas tolerando, a diversidade que nos enriquece. Promovendo a circulação de informações e experiências entre todos os agentes que já estão no terreno. Mesmo entre aqueles que parecem mais relapsos à comunhão.
Passa por uma política de empowerement dos agentes pastorais. Que vai melhorando as práticas de recrutamento e formação dos operadores.
Que torna a PJ uma realidade acolhida e amada por toda a comunidade eclesial.

4.2 Método: da socialização-instrução à animação

Podemos dizer que muita da pastoral juvenil que temos, continua a ser feita a partir do binómio socialização-instrução, nesse binómio que o regime de cristandade desenvolveu e usou. Não só porque muitos jovens que se afastam da Igreja identificam explicitamente a “disfuncionalidade” desse paradigma metodológico como rastilho do seu afastamento. Mas também porque uma boa parte das tentativas de renovação que vão aparecendo não conseguem descolar desses modelos.
Que método alternativo? Método é a selecção e organização dos recursos disponíveis e das operações praticáveis, que serve para criar as condições favoráveis para atingir os objectivos, atendendo às diferentes situações de partida.
Será possível escolher “um” método quando as condições de partida são tão diversificadas? Quando os objectivos pastorais são também eles plurais? Em teoria, sim. O que deve absolutamente ser recusado é a desatenção ao método (que serve como pretexto para regressar ao binómio instrução-socialização), o “achismo” dos amadores incompetentes e arrogantes, ou dos neogurus que trocam o método pelas suas pseudo-intuições carismáticas.
Falo de método e não de manipulação. Procuramos um método que crie condições favoráveis; não um conjunto de truques que “obrigue” os destinatários aos resultados, curtocircuitando a sua liberdade e participação.
Não sei se teremos de chegar a um método único em PJ. Mas defendo os méritos da animação. Tenho bem claro que a animação não é a aplicação casual de técnicas atraentes. Há diferenças claras entre uma animação verdadeira, rica de conteúdos de fé e culturais e um simulacro de animação, feito de improvisações casuais.
Defendo a animação como método porque é, no horizonte pedagógico contemporâneo, a abordagem com mais semelhanças com a prática de Jesus de Nazaré.

Ela permite um modo adulto de acolher o mundo juvenil. Promove uma relação de comunicação autêntica entre todos os envolvidos. Consegue oferecer a todos (grupos, sujeitos, comunidade), na sua diferença, a possibilidade de trilhar um itinerário diversificado mas com metas comuns. É das poucas abordagens que garante uma forte ligação entre os objectivos que se desejam atingir e as situações de vida diversificadas de que se parte. A animação cresce e é teorizada originalmente no campo da educação não formal. Mas as suas intuições têm sido implementadas com sucesso no mundo da escola, da catequese, do acompanhamento vocacional.

4.3 Empowerment: da gestão miserabilista ao incremento de recursos

Um bom método não se contenta com a gestão dos recursos disponíveis. É capaz de programar novos recursos.
O mundo da pastoral de jovens talvez seja aquele em que a desproporção entre a quantidade-qualidade de recursos e os desafios seja mais desfavorável.
É aqui, ao nível dos recursos da PJ, que mais se nota a dimensão do bloqueio em que estamos. Uma boa parte dos operadores é bastante auto-suficiente e incompetente; nunca viu outra pastoral juvenil do que a que temos, nunca teve acesso a projectos mais ambiciosos, não se consegue sequer sentir frustrada com as rotinas existentes. E por isso não se tenta melhorar-promover nem luta para recrutar outras forças. Uma minoria, mais lúcida, sofre de excesso de realismo. Já experimentou muita coisa… sem grandes resultados. Acomodou-se a fazer a gestão do possível, muitas vezes mudando apenas o necessário para deixar tudo na mesma.
É claro que, de vez em quando, cai aqui, de pára-quedas, um utopista, daqueles que sonha um futuro sem qualquer relação com o presente. São daqueles epifenómenos, muito localizados no espaço e no tempo e que rapidamente evoluem para uma das duas situações anteriormente descritas: a irrelevância ou a resignação.

A melhoria dos recursos passa por três estratégias coordenadas. A primeira é a do empowerement dos recursos existentes. Desculparão o uso do inglês; mas em várias áreas de saber e de intervenção este conceito de empowerement (fica ridículo traduzir por “empoderamento”) descreve bem o empenho dos sistemas em capacitar mais os seus recursos, através da melhoria da formação, dos processos, da responsabilização. Empowerement é a alternativa de que precisamos para dar a todos os que se envolvem na PJ uma maior autonomia, que torne a todos mais capazes de poder tomar decisões, de optar conscientemente, de construir alternativas.
A segunda é um investimento forte no recrutamento de novos recursos. A terceira é a subida progressiva dos níveis mínimos de competência aceitável.

4.4 Do atomismo de actividades a um verdadeiro projecto

Quando saímos do nível local, quando subimos no organograma eclesial, falar de PJ é falar das actividades que se fazem. Umas mais lúdicas, outras mais espirituais. Umas bem conseguidas, outras vergonhosas.
Os órgãos e plataformas de convergência da PJ entendem-se a si mesmos como organizadores de actividades. Não como dinamizadores de verdadeiros projectos. Uma consulta aos sites dos departamentos diocesanos de pastoral juvenil não mostra projectos ou mostra, sob o título de projectos, listas de actividades.
Os clássicos da pastoral dizem que um projecto se define pelos seus objectivos, pela análise da situação, pelo método e pela avaliação. Mas, prévio a estes elementos está o alcance do projecto: para quem é o projecto, quem se envolve nele, a quem pretende chegar? Seria de supor que o projecto de uma estrutura nacional ou diocesana de PJ teria como referentes todas as forças vivas da PJ e todos os jovens do território. Suposição errada, segundo o que conseguimos ler. A esmagadora maioria dos projectos diocesanos é para os aparatchiks, para as próprias estruturas. Deveria ser óbvio, mas não o é: uma estrutura diocesana que faz um projecto, deve colocar-se como núcleo animador de toda uma diocese. A verdade é que se prefere fazer projectos em que o alcance é o próprio umbigo.

Se superarmos este umbiguismo, poderemos construir projectos. Formalizar práticas de mudança ambiciosa. Com objectivos claros. Ou seja, com conjuntos bem definidos de competências que formam o ponto de chegada. Com objectivos diferenciados. Com objectivos gerais que dão as grandes linhas de rumo. Com objectivos que descrevem as competências concretas, que indicam o caminho operativo e as metas progressivas para atingir a meta final. Com objectivos de carácter quase comportamental, que exprimem em modo verificável as indicações dos dois níveis anteriores.
Precisamos de projectos com uma boa leitura da situação de partida. Uma leitura não burocrática mas informada por um olhar de fé e orientada segundo preocupações educativo-pastorais.
Com uma explicitação dos métodos que se propõem para criar as condições favoráveis à consecução dos objectivos.
Com práticas de avaliação serenas e objectivas. Com uma avaliação feita ao longo da execução ou no final do projecto que permita perceber o mérito teológico-pastoral do projecto, a adequação aos destinatários e aos recursos disponíveis e o seu grau de execução.

4.5 Do “one size fits all” a uma lógica de iniciação cristã

Uma PJ em chave de nova evangelização terá de superar o monolitismo pastoral, a procura ingénua de um qualquer truque pastoral que permita levar o evangelho a todas as pessoas, independentemente da sua condição e da sua caminhada pessoal de fé.
Um olhar minimamente lúcido sobre o pluralismo da realidade que nos rodeia leva rapidamente a concluir que não é possível uma pastoral juvenil standard, one size fits all, um modelo que sirva a todos os tamanhos. Mas será que isso nos obriga a desistir de projectos pastorais unificados? Não. O paradigma da iniciação cristã cruzado com a Evangelii Nuntiandi oferece uma via da saída. Garante respostas diferenciadas para situações de fé diferentes. Garante unidade e continuidade dinâmica à intervenção eclesial.

Fazer pastoral juvenil numa lógica de iniciação cristã vai ser uma carga de trabalhos. Vai implicar fazer muito mais e muito melhor. Implica começar a estar presente, de forma mais consciente e orgânica, no mundo dos jovens onde a vida é frágil ou é negada: o desemprego, a violência doméstica, a toxicodependência, a perda de sentido, a eternamente adiada educação sexual, a incerteza face ao futuro, a imprevisibilidade como estrutura permanente… oferecendo presença e acolhimento. Implica (e isso é que vai obrigar a uma grande criatividade) práticas mais generosas de primeiro anúncio, dizer a nossa fé de forma assertiva e significativa para os padrões culturais dos jovens que encontramos. Implica uma catequese séria que acompanhe até à maturidade de fé. Uma catequese com catequistas mais bem formados. Uma catequese e uma educação religiosa que não esteja neste curioso regime de livro único, estranha sobrevivência dentro da Igreja portuguesa da lógica de centralismo democrático que a queda do muro de Berlim em 1989 deveria ter derrubado de vez.
Implica uma iniciação efectiva aos sacramentos, que tem de ser bem mais do que conformidade litúrgica e ritual; tem de ser um habilitar os jovens a viver quotidianamente na graça dos sacramentos. Implica uma iniciação às várias formas de ser Igreja. O que nos coloca em cheio no tema, sempre adiado, ou reservado a nichos muito restritos, da pastoral vocacional.

4.6 Do status organizativo a uma comunhão rica de diversidades

As estruturas eclesiais de governo, coordenação e animação da pastoral juvenil têm de se sujeitar a uma profunda metanóia quanto à sua autodefinição. Terão de deixar de funcionar na lógica burocrática e aparelhística (em que os melhores recursos são consumidos a manter o establishement) e passar a actuar como catalisadoras de mudança, plataformas de encontro e diálogo que promovem uma melhor articulação entre legítima pluralidade e necessária comunhão.
Este tema do pluralismo e da diversidade intra-eclesial tem de deixar de ser visto com uma tolerância paternalista e passar a ser apreciado como um dom poderoso da multiforme criatividade do Espírito.
Uma Igreja que quer ser significativa num mundo e numa cultura, plural, globalizado e fragmentário como o nosso, faz bem em promover a diversidade de carismas e propostas; isso assegura a possibilidade de o Evangelho ser anunciado num espectro largo de registos comunicativos.

4.7 Do “business as usual” aos cenários da Nova evangelização

Não há grande sensatez pastoral nas revoluções dramáticas, nas propostas que rompem a continuidade com o passado, que têm a pretensão arrogante de começar tudo do zero. Mas, o contexto em que estamos e a resposta que a nova evangelização pretende ser não admite imobilismos que se disfarçam de continuidade.
Os cenários em que o evangelho deve hoje ser dito são verdadeiramente novos.
É o cenário cultural marcado profundamente pela secularização, pelo fenómeno migratório e pelo conexo pluralismo cultural e religioso, pelo forte impacto dos meios de comunicação social.
É a forte incidência da dimensão económica e o extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico.
Se queremos que o evangelho possa continuar a ser anunciado com sucesso aos jovens, há que aceitar que vivemos num novo contexto. E desencadear um esforço concertado de inculturação neste novo mundo.
Normalmente, faz-se apelo ao conceito de inculturação apenas em contexto de missão. Como se nós, os evangelizadores da velha Europa estivéssemos dispensados de retraduzir o evangelho de sempre nas categorias culturais hoje dominantes.
Seria bom que este tema do diálogo com a realidade sociocultural em que estamos mergulhados deixasse de ser uma chinesice de intelectuais. A tal cultura pós-moderna (ou hiper-moderna ou tardo-moderna) não existe só nem principalmente nos escritos arduamente compreensíveis de filósofos de nome impronunciável. Existe, primariamente, como cultura popular.
E é também em diálogo com esta cultura popular que devemos estar disponíveis para renunciar às nossas rotinas, às nossas sínteses teológicas e existenciais.
A cultura popular é uma realidade plural, fluida, contraditória… que resiste a tratamentos analíticos seguros. Mas atrevo-me a deixar aqui alguns dos seus traços, com um potencial evangelizador óbvio: a ideologia do amor romântico , o papel das emoções fortes , o espaço povoado entre o céu e a terra .
Mas além dessa cultura popular, há que perceber que a Nova Evangelização, em Pastoral juvenil, se faz no cenário na educação. Na capacidade de dizer a fé em categorias culturalmente relevantes.

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