2012/02/18

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (5)

Artigo anterior desta série: As palavras-chave, Os pressupostos, as metas, As passagens


5. As tensões

O empenho da Igreja em ser fiel à sua identidade, levando o Evangelho a todos, em todos os lugares e tempos, enfrenta algumas tensões inevitáveis. Não falo dos problemas e obstáculos exteriores a superar. Falo da presença simultânea e concorrente de tendências opostas dentro da própria pastoral juvenil. Tendências válidas e irrenunciáveis.

5.1 Educação versus evangelização

Este binómio em tensão pode aparecer noutras fisionomias: antropologia-teologia, factual-ideal…
A pastoral juvenil é um grande processo de comunicação em que se reedita a comunicação salvífica de Deus para a humanidade. Este processo de comunicação não é feito só de palavras: inclui gestos, intervenções, experiências, processos… Há muitos modelos comunicativos a partir dos quais vertebrar a pastoral. Alguns partem da educação. Outros da evangelização. E muitas vezes os modelos educativos e evangelizadores aparecem antagónicos. E parece que somos obrigados a escolher entre um e outro.
Se alguma coisa vai permanecer nas próximas décadas da pesquisa do professor Tonelli é a convicção que é possível e necessário utilizar de modo harmónico todos os recursos em ordem a projectos que sabem servir-se dos modelos educativos e evangelizadores em momentos sucessivos e complementares. Esta intuição tem história: Bento de Núrsia com o seu ora et labora, o humanismo de Francisco de Sales, a proximidade educativa de S. João Bosco… Mas a verdade é que não tem sido dominante ao nível das ideias e das práticas esta dupla atenção à educação e à evangelização.
E mesmo que superemos a tentação da disjunção exclusiva entre uma e outra, vamos ter de enfrentar os desafios da nova evangelização sem termos demasiada experiência de as articular simultaneamente.

5.2 Pessimismo versus ingenuidade

Quem quer fazer hoje PJ parece estar destinado a encalhar num destes dois perigos. Uns deixam-se dominar pelo pessimismo. Ou porque a sua leitura do mundo juvenil lhes diz que os jovens não estão abertos à vida evangélica ou porque pressentem que a Igreja não tem já a força, os recursos, para levar o Evangelho aos jovens.
Outros fazem uma leitura tão benigna da realidade que chega a ser ingénua. Tendem a aceitar acriticamente os dados da realidade sem os questionarem e sem gerarem propostas de vida alternativas.
Talvez os Lineamenta nos possam ajudar. Eles sugerem que a nova evangelização tem de ser feita num esforço constante de discernimento. Ele permite uma interpretação de fé da realidade, com as suas mudanças e tensões, com os seus desequilíbrios e perda de pontos de referência. Diante da tentação de uma avaliação a preto e branco, feita de condenações apressadas ou de desculpas rápidas, os Lineamenta optam por ver desafios. Assinalam com coragem os valores negativos, assumem os positivos. Propõem-se purificar e fazer amadurecer todo o potencial de bem espalhado em qualquer lado.
A nova evangelização, também no mundo dos jovens, não perde tempo com vitimismos, condenações, cepticismos ou exaltações superficiais. Abre-se ao sopro do Espírito, aprende na escola de Jesus, a “individuar aqueles caminhos que Deus, através do seu Espírito, está a construir para Se manifestar e Se deixar encontrar pelos homens” (LN 4).

5.3 Espiritualidade versus fé

Muita da contestação aos dogmas da teoria da secularização não está na adesão às propostas religiosas formais, protagonizadas por novas e/ou tradicionais igrejas. Está nesse difuso (e confuso!) movimento, sensibilidade, interesse… espiritual. Espirituais não religiosos, como se designam a si mesmos.
São muitas as pessoas desencantadas com o paradigma da racionalidade tecnológica que procuram razões mais profundas de sentido.
Mas este desejo de sentido, esta procura de uma nova e melhor qualidade de vida está a encontrar resposta em modelos cuja arquitectura é incompatível com a fé cristã. Os processos de salvação são intramundanos. Não pretende deixar de lado o individualismo. Recusa o papel humanizante da razão. Tende a um sincretismo que dissolve todas as diferenças.
Esta sensibilidade espiritual joga na mesma liga que nós, tem muitos dos mesmos interesses que nós. Até porque é no campo da oração, da espiritualidade, que têm crescido experiências bem interessantes de pastoral juvenil.
Que fazer? Optar pelo ostracismo? Fazer uma aliança entre a pastoral mais espiritual-individualista e esta doce sedução do Aquário?
Parece-me que esta será uma das tensões mais difíceis de resolver.

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