2012/02/18

Para uma renovação da pastoral juvenil em Portugal (2)

Artigo anterior desta série: As palavras-chave.

2. Os pressupostos

Feitos estes esclarecimentos terminológicos, sinto que devo explicitar alguns dos pressupostos em que me baseio. São bem aceites entre muitos especialistas mas tenho consciência que são discutíveis. Vou elencá-los e tentar justificá-los.

2.1 Juventude diferenciada

O primeiro é que não há “juventude” como uma realidade unificada sociológica e culturalmente . À expressão “a juventude” no singular, não corresponde univocamente uma realidade única. Os sociólogos falam de juventude, os psicólogos distinguem entre pré-adolescência, adolescência e jovens adultos. Não me adentro nessas infinitas distinções. Ainda que com impropriedade, falo de juventude como aquele tempo que decorre entre a infância e a idade adulta. É claro que ele existe, tem uma duração consistente e é observável. Mas essa condição juvenil (definida pela idade e pela adiada autonomia da idade adulta) não é condição suficiente para descrever-definir o objecto em estudo. Não só porque a configuração das variáveis sociológicas de descrição (tempo de duração dos estudos, permanência em casa dos pais, iniciação sexual, conjugalidade, maternidade-paternidade) permite, só no contexto europeu, quatro modelos bem diferentes .
Mas mesmo dentro do nosso contexto sociocultural há outras variáveis que moldam decisivamente o mundo dos jovens para lá da sua condição juvenil: o sexo, o estatuto social e económico das famílias, a corrente cultural, a localização geográfica.
Quando ouço um político ou um responsável eclesial dizer “os jovens são…” ou “a juventude isto”… fico completamente arrepiado. Porque persistem em ver os jovens como um bloco unificado, abafando as diferenças profundas, escamoteando a vida vivida, concreta, no que de belo e trágico ela traz.
E para complicar (ou enriquecer) as coisas temos a diferenciação que acontece dentro de cada jovem. De acordo com o contexto em que se está, assume-se um conjunto de práticas e valores, o que os faz assemelhar aos camaleões.
Se os jovens não são uma realidade unívoca, em termos sociais e culturais, não faz sentido uma pastoral juvenil monolítica, desatenta às clivagens de género, à tensão urbano-rural, Norte-Sul, à estratificação económica, ao capital cultural.

2.2 Evangelização diferenciada

O segundo pressuposto é, também ele, um apelo a diferenciar. Desta vez no plano pastoral. Felizmente, o Vaticano II e o magistério das últimas décadas veio sanar uma certa esquizofrenia pastoral. Durante séculos não houve solução de continuidade teológica entre evangelização explícita (ligada ao formalmente religioso) e desenvolvimento humano. O Vaticano II afirma claramente a unidade da pastoral: inspirada na praxis do Senhor Jesus, a Igreja só pode continuar a semear o Reino. Esse é o denominador comum que dá unidade à liturgia, à experiência mística, à intervenção social e política, à luta pelo desenvolvimento dos povos, à consciência ecológica. Esta consciência da unidade pastoral é uma bênção.
Uma bênção que não se deve tornar redução e uniformidade. retomando a EN, sabemos que a única pastoral da Igreja, continuadora na história da praxis de Jesus, se deve diferenciar de acordo com o grau de adesão dos destinatários ao ideal proposto por Jesus. A diferenciação de fé dos destinatários pede uma resposta diferenciada nos agentes, nos conteúdos e nos métodos.
A conjugação destes dois pressupostos leva-nos a perceber que uma pastoral juvenil de qualidade vai ter em conta a pluralidade de condições (sociais e religiosas) dos destinatários.

2.3 Pastoral juvenil como possível e necessária

E já que estamos em pressupostos, permitam-me mais um. Possivelmente o mais contra-intuitivo de todos, no nosso contexto português.
Tenho como ponto assente que a pastoral juvenil é possível e necessária.
Tomo posição contra quem diz (pelos gestos e pelas omissões) que a pastoral juvenil não é necessária. Possivelmente porque considera que a instrução dada na infância basta para assegurar uma identidade crente. Ou porque considera que o comércio de ritos assegura a fidelização do cliente. Contra esta prática que acha desnecessária a pastoral juvenil, defendo que uma Igreja que não acompanha os jovens nesta fase de definição da sua identidade está a desistir do seu próprio futuro. Está a resignar-se a ser, cada vez mais residualmente, uma ONG filantrópica ou um mero ponto de abastecimento de ritos e bens religiosos. Uma Igreja que não quer fazer pastoral juvenil é uma Igreja que não quer que as novas gerações se apropriem pessoalmente do património de fé.
Outro desafio que a pastoral juvenil em Portugal enfrenta é a desistência daqueles que, embora querendo uma pastoral juvenil, sentem que nenhuma é possível. Uns porque acham que o Evangelho passou o seu prazo de validade e não é hoje capaz de suscitar entusiasmo e vida nova. Outros porque consideram que “esta juventude está tão desgraçada”, tornou-se de tal modo uma massa damnata, que está para lá de qualquer possibilidade de redenção.
A minha convicção que a pastoral juvenil é possível, contra este desânimo, não nasce de pragmatismo, nem da ideia que há por aí algures um qualquer truque pastoral que permita superar os obstáculos; é uma opção de fé, teologicamente fundada.
Estou convencido que o bloqueio em que a PJ está em Portugal nos últimos 20 anos não resulta principalmente de erros operacionais ou organizativos. É bem verdade que os houve e que continuam a ser clamorosos. Mas radicalmente, o problema da PJ é teologal. Ou aceitamos, radicados na fé, que o Espírito do Ressuscitado, na mediação eclesial, continua a oferecer salvação, vida abundante, a todos, também aos jovens… ou desistimos.
Mas tem sentido falar de uma pastoral de jovens distinta da pastoral “geral” que a Igreja faz? Sim, na medida em que a especificidade e fragilidade do grupo-alvo o exige.

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