2009/10/07

Falar claro?

Há, em muitos de nós que somos Igreja, uma tentação grave de não falar claro. De meter muita maquilhagem nas palavras. Porque elas podem ofender alguém ou o establishment. Porque achamos que os nossos interlocutores são uns imbecis, incapazes de pensar pela própria cabeça, incapazes de aceitarem ou rejeitarem com liberdade e responsabilidade aquilo que dizemos.
Um exemplo recente:
No dia 5, na Forma(c)ção mandei umas "bocas" a respeito dos novos catecismos. É público e notório que estou cada vez mais crítico em relação aos méritos destes novos catecismos. Quer em termos do produto em si, do processo que os gerou e dos resultados que deveriam produzir.
É certo que ainda não tive a coragem (ou a paciência) de fazer aquilo que fiz na minha tese de mestrado, que seria analisar sistematicamente todos os textos, de fio a pavio, e provar por "a+b" as razões da minha (e não só) crítica.
Mas os "erros" catequéticos e as limitações estruturais de que padecem são facilmente judicáveis.
Enquanto escrevo isso num blog ou na revista Catequistas, o feedback não é muito. Ou porque as pessoas não lêm ou porque não sabem/querem responder ou contestar a minha opinião e a minha avaliação.
Quando digo aquilo em público há sempre mais feedback. A maioria das pessoas acaba por concordar comigo. E alguns discordarão. O que é normal.
E depois há aquele pessoal que me diz: "Tu até tens razão. Mas é preciso ter cuidado. As pessoas podem interpretar mal"...
E é aqui que eu acho interessante pensar sobre o tipo de praxis comunicativa que queremos em Igreja. Claramente sou favorável a uma comunicação o mais clara possível. Onde todas as cartas estejam em cima da mesa. Para que todos tenham o máximo de informação para confrontar, para processar, para ir elaborando as suas opiniões.
Continuando com o exemplo: no final da minha intervenção um jovem seminarista, encheu-se de coragem e disse aquilo que provavelmente muita gente pensa: "Se os catecismos são tão desinteressantes [tao cheios de palha; expressão dele], não será preferível abdicar deles e irmos dando uns temas e umas coisas mais interessantes?"
A minha resposta foi um "NÃO" CLARÍSSIMO. E justifiquei as minhas razões.
E é por isto que eu prefiro uma praxis comunicativa que favorece a clareza. Imagina que eu não digo nada; este tipo de ideias de trocar a sistematicidade dos catecismos por umas coisas avulsas e à vontade do freguês, continua por aí, sem nunca ter oportunidade de aparecer à luz do dia, de forma larvar, sem se confrontar com críticas, sem possibilidade de evoluir.
Claro que o facto de alguém fazer críticas mina a "autoridade" seja do que for. Mas pensem bem se queremos voltar a uma postura do "come e cala-te".
Aliás, ao limite, esta é uma das razões porque sou mais crítico dos catecismos actuais. Não apenas por serem "mauzinhos" em muitos aspectos mas por serem "perigosos". Explico. As suas linitações de redacção, pedagógicas, gráficas, a confusão entre conteúdos e objectivos, as imensas confusões na hierarquia de objectivos, a sua "imensidão" palavrosa, leva uma boa parte dos catequistas a considerá-los pouco operacionais, pouco aplicáveis. Mas a maneira confusa como estão feitos empurra o catequista "médio" a tentar outras coisas; não somente ao nível da metodologia mas também ao nível dos conteúdos (porque, precisasmente, os guias não separam bem as coisas). O que é que vaia acontecer? O catequista sente-se forçado a escolher entre tentar implementar o que está proposto nos guias ipsis verbis (o que a maioria considera inviável) ou a tentar inventar. Mas se opta por inventar, a estrutura dos guias não os ajuda a perceber a diferença entre o que é nuclear e o que á relativo e acessório. E do mesmo modo que eu digo que é inútil discutir a etimologia grega da palavra "carisma" outro catequista vai-se sentir à vontade para considerar "inútil"... a ressurreição de Jesus, ou a Eucaristia.
Que alternativa? Calar-me e fazer figas para quem tudo, magicamente se componha? Ou tentar o "caminho longo" da formação, do diálogo, do estimular à mudança e à construção de uma alternativa qualitativamente superior nas práticas catequéticas e eclesiais de todos nós?

3 comentários:

PC disse...

A questão é que tem razão no que diz, ou até pode não a ter toda, mas pouca gente deve-se sentir à altura de o contestar. O seminarista não respondeu, nem contestou o que disse, apenas começou a dar uma opinião do que se podia fazer já que os catecismos são tão maus, ou seja, deixar de os usar.

Falar só “pela rama”, mandar umas bocas sobre os catecismos, leva a mal entendidos, o que deve ter acontecido com algumas das pessoas que ali estavam, como com o jovem seminarista… ainda bem que ele começou a falar, porque deu-lhe, a si, a possibilidade de se explicar.

Eu, que já o vou ouvindo e lendo há algum tempo, e tenho alguma experiência nisto da catequese, percebi-o.

Mas que complicou, complicou. É que se tenho catecismo e guia novos, penso que foram feitos por quem sabe muito (pelo menos bem mais do que eu), mas depois ouço quem também sabe muito dizer que não prestam… grande confusão, não?

Vou começar este ano a trabalhar pela primeira vez com um novo catecismo, o do 1º ano. Ainda não o analisei bem, mas agora vou ter de olhar para ele “com olhos de ver”.

Conto, como sempre, com a ajuda do Espírito Santo na preparação das minhas sessões.

Ah, e é claro, continue no “'caminho longo' da formação, do diálogo, do estimular à mudança e à construção de uma alternativa qualitativamente superior nas práticas catequéticas e eclesiais de todos nós”. Nós agradecemos!

Luís Miguel FIGUEIREDO RODRIGUES disse...

Grande Rui!

Concordo contigo. Falar claro é imprescindível!
Mais, o eclesiasticamente (não eclesialmente) correcto dá nisto: não se gosta, não se discute, parece que está tudo bem e, nas bases, as coisas estão como estão.
Gastamos tempo a mais a 'remendar' o problema dos ditos catecismos em que estamos atolados há anos. Não há uma reflexão séria e sistemática a nível nacional (já que se espera que os 'catecismos' sejam nacionais). Eu falo com toda liberdade pois já dei muito de mim para esse processo e o quanto isso me custou... Mas o que mais me custou foi ver as pessoas que se perderam pelo caminho...
Enfim, estamos aqui a lutar, porque a Meta é a comunhão com Ele.
Estamos ao serviço d'Ele, também na Catequese.

Aquele abraço

P.e Luís

ruisdb disse...

Um esclarecimento: (dado que o post original foi escrito a uma hora demasiado matutina e eu continuo engripado e mais lerdo do que é habitual)
O que me interessa reflectir aqui é mesmo sobre a qualidade da nossa comunicação eclesial. A questão concreta dos catecismos é acessória.
Mas até estão ligadas: é uma hipótese a avaliar a possível ligação entre as péssimas práticas comunicativas e relacionais na elaboração dos catecismos (e que o LM refere "en passant") e a qualidade final dos ditos cujos catecismos