Recomendo: FROESE Paul//PFAFF Steven, Explaining a religious anomaly: a historical analysis of secularization in Eastern Germany em JOurnal for the scientific study of religion (2005) 44(4): 397-422.
Quando se tenta explicar sociologicamente a situação religiosa actual, recorre-se quase sempre a uma de duas teorias (ou grupos de teorias): a teoria da secularização e a teoria do mercado religioso.
A teoria da secularização (nas suas inúmeras variantes) é bastante conhecida. Em traços gerais e simplistas afirma que a modernidade, o desenvolvimento científico, o crescimento económico actuam como forças que retiram espaço aos fenómenos religiosos.
É uma teoria que entrou no senso comum e é habitual encontrar responsáveis eclesiais que a subscrevem acriticamente. [E que depois se encontram à rasca para desenhar uma pastoral minimamente criativa!]
Tem alguns limites. O primeiro é que não explica o crescimento religioso dos últimos 30 anos a nível mundial e a relevância que as religiões têm hoje. A segunda (e mais grave, a meu ver) é que entende as pessoas e os agentes religiosos como "sitting ducks", que se limitam a esperar sentados, sem nada fazer para reagir à erosão provocada pela modernização (essa malvada!).
Tendo a desconfiar de todos os modelos que não reconhecem agência (capacidade de actuação) às pessoas e aos grupos.
A teoria do mercado religioso é menos conhecida em Portugal. Mas vai sendo cada vez mais maioritária.
No fundo aplica o modelo económico da oferta e da procura aos processos religiosos. A tal erosão religiosa provocada pela secularização aparece como uma diminuição da procura. Mas, tal como no mercado, a oferta religiosa pode reconfigurar-se para corrigir essa situação. E mais: diz que a existência de uma oferta ampla e concorrencial acaba por fazer aumentar a procura.
Valia a pena aprofundar esta teoria, mas fica para outro post.
O estudo que quero comentar hoje é interessante porque evidencia os limites destas duas teorias.
Eles põem em evidência a situação dos estados da antiga RDA (Alemanha de Leste). São hoje o país com a mais alta taxa de ateísmo (25,4%) e a mais baixa taxa de pertença religiosa do mundo. E, segundo os autores, há aqui uma série de anomalias.
A teoria da secularização diria: "Cá está! Temos razão. Cresce o desenvolvimento, diminui a religião!" Errado. Isso não explica porque é que a RFA (ou hoje , os estados federados do que era a RFA) tem taxas de ateísmo muito mais baixas (7,3%) e taxas de pertença religiosa bem mais altas.
Entra a teoria do mercado religioso: "Ah, com o comunismo e tal e coisa, as condições do mercado religioso foram distorcidas mas agora com a liberdade a pertença religiosa vai aumentar".
Pois... isso verifica-se em todo o antigo bloco soviético (baixa o ateísmo, sobre a pertença religiosa... ao mesmo tempo que há mais liberdade, mais individualismo, mais desenvolvimento económico)... mas não na RDA. Estes valores da RDA são anormais, mesmo em comparação com os vizinhos ex-comunistas.
E, para complicar... já disse que a taxa de ateísmo cresce... depois da queda do muro de Berlim?
De 1990 para 1995 a % de ateísmo subiu dos 21% para os 25. Nos outros países ex-comunistas está sempre abaixo dos 10%. E tem vindo a baixar.
Os autores do estudo defendem que esta anomalia obriga a ser mais exigente nas explicações sociológicas. Não basta agarrar uma teoria one-fits-all.
Ao longo do artigo eles vão tentar explicar como a história civil, política, cultural, eclesial é necessária para explicar os resultados actuais.
Simplificando:
começam no século XIX, com a industrialização e com a urbanização massiva. Os conflitos sociais que se geram vão encontrar as igrejas do lado do status quo, opostos aos interesses de mais direitos para o proletariado. Podemos recordar Marx e o ópio do povo. Não esquecer que na Alemanha as igrejas têm uma forte ligação ao estado. Por outro lado, os territórios da RDA são dos mais industrializados da Alemanha. E onde a clivagem contra a religião se vai fazer mais sentir.
As igrejas (mais a luterana dominante do que a católica, mas...) além de não sintonizarem com os grandes desafios das massas trabalhadoras (desculpem a calão leninista) não investem em pessoal nas cidades. A atribuição de recursos pastorais não acompanha a rápida urbanização. Aqui em Portugal, a partir dos anos 70... ring a bell?
A somar a isto, de 1933 a 1945, com os nazis tens uma política de estado abertamente ateia e fortemente condicionadora das igrejas (mais dos luteranos do que dos católicos, mas...)
Depois, de 1945 e 1989 a RDA é dominada pelos soviéticos e desenvolve uma política anti-religiosa muito agressiva: educação, repressão, infiltração da hierarquia por elementos a STASI... mais uma vez a política das igrejas (mais os luteranos, uma vez mais... não esquecer que naquela região são/eram a confissão maioritária) é de apaziguamento... cristãos pelo socialismo etc e tal (os idiotas úteis de Lenine...) Durante o regime socialista as igrejas da RDA não se assumiram como uma alternativa social, cultural e política ao regime vigente.
Depois da unificação as coisas "pioram" ainda mais.
Aplicam-se as leis gerais e práticas do ocidente. Os cristãos que tinham conseguido resistir são sujeitos ao imposto religioso (coisa que nunca tinha acontecido durante o comunismo)... o que levou a muitos afastamentos. Muita gente sente que houve uma colonização ocidental. E as pessoas reagem a isso recusando tudo o que vem de Oeste. Também a religião.
Por outro lado, a unificação foi muito dura em termos laborais e financeiros. E as pessoas começaram a idealizar o passado mais simples da RDA. E começaram a apropriar-se de tradições e símbolos da RDA... como o ateísmo.
Bem... to cut a long story short...
QED que a história é complicada.
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