2009/07/29

Os lugares da fé

Foi este o nome do fórum que orientei no Festival Jota 2009.
Depois, algum dos participantes perguntava-me: Como é que se faz, no concreto, para aumentar a fé?
A pergunta não é idiota e vem no contexto, mesmo que possa parecer "ímpia".
É certo que a fé é dom de Deus; e nesse sentido, não podemos fazer nada para "forçar" Deus a ser mais generoso connosco.
Mas a fé é também resposta nossa. E sobre o rumo que damos à nossa liberdade podemos influir sobre outros e sobre nós mesmos.
Quem me perguntava, sugeria-me que a oração seria uma pista "obrigatória".
Faz sentido; o contacto íntimo com Aquele a quem amamos, aumenta o desejo, transforma-nos e liberta-nos daquilo que nos bloqueia a fé. Mas não chega.
Uma ideia clara de quem é Aquele em quem acreditamos é essencial.

28 comentários:

PC disse...

Atrevo-me a pôr aqui parte de um texto que li:
“A fé não é como a gasolina que acaba depois que nós a usamos, mas é como um músculo que se fortalece à medida que o exercitamos. Quanto mais demonstramos atitudes de fé, mais ela aumenta e mais forte espiritualmente nos tornamos. (…) Sim, a fé é o fortificante de nossas vidas e, pelo estudo da Palavra de Deus, ela nos sustenta em toda e qualquer situação. Uma dose diária de leitura é suficiente para que a nossa vida espiritual cresça como uma árvore frondosa, produzindo frutos para abençoar a todos que se chegam até nós.” (Paulo Barbosa)

ruisdb disse...

long time no see you round here...
Essa metáfora do músculo é interessante.

silvino disse...

(parabéns pela resenha (bastante interessante e trabalhosa) do doutoramento!)

quando vi o título «lugares da fé», pensei logo que ia falar do pessoal que vai a taizé ;)

e depois, ao ver a pergunta, recordei a canção (velhinha-velhinha) «creio senhor, mas aumenta a minha fé».

não sei a intenção bíblica desta distinção, mas pode ser um bom ponto de partida.

ruisdb disse...

Ainda não percebi se o título foi bem apanhado ou não: pelo "elevado" nº de participantes (12), não se diria! .
Mas a ideia, era jogar com a ambiguidade dos "lugares". Não tanto os lugares físicos mas os lugares interiores da fé.

Fátima disse...

Hum... E conseguiremos algum dia ter uma ideia clara de quem é Deus?

Sinto-me em busca d'Ele... E sinto que andarei eternamente em busca! É mau?

Vou passar a vir "chatear" mais vezes (chateio em todo o lado :D)!

Ainda tenho dúvidas quanto a isto :P

Beijinhos

ruisdb disse...

Olá Fátima. Quando pensamos-falamos sobre estas coisas, é sempre importante termos consciência das limitações e armadilhas que a linguagem que usamos nos impõe.
"uma ideia clara de quem é Deus"
A tua expressão parece remeter para um peso cognitivo elevado. E isso, a meu ver, tem pouco sentido. Não tem grande interesse "conhecer" Deus. A não ser que conhecer tenha o sentido de entrar em comunhão com Ele, confiar n'Ele, deixar-se transformar por Ele.

ruisdb disse...

Continuação:
Este processo, que não pode ser apenas cognitivo, tem uma evolução estranha. Ao mesmo tempo analógica e digital. com continuidades e rupturas.
Uma 1ª ruptura é a conversão: o ponto em que a pessoa se dá conta que acredita em Deus, que confia n'Ele, que só Ele pode encher a vida de sentido e esperança.
Uma 2ª ruptura é a "maturidade" de fé. A catequese (idealmente) é o processo que leva a pessoa da fé inicial da conversão até uma certa maturidade de fé. Esta maturidade caracteriza-se pela autonomia. Numa série de dimensões (a fé que se acredita, os valores que se vivem, a celebração da fé, a oração, a inserção eclesial, o anúncio evangelizador), a pessoa deve chegar a um grau de fé adulta; em que sem as muletas de outros interiorizou profundamente a fé.
A meta da catequese (entendida em sentido amplo) é esta maturidade e autonomia. Esta caminhada rumo à maturidade é longa mas deve ser limitada no tempo.
A partir daqui, há (deve haver) uma progressão contínua rumo à santidade.

Quando dizes "andarei sempre em busca" isso faz sentido, porque a fé, como todas as relações é dinâmica. A questão está em saber é se essa busca tem um rumo e uma estratégia comprovada e testada ou é um andar à toa, que muitas vezes não nos tira do mesmo sítio.

Fátima disse...

Fico na mesma... :P
Quanto à maturidade e santidade... faz-me sentido!
Mas quanto ao que fazer realmente... Para "crescer na fé"... Ainda não percebi :P

Vou sentindo :)

ruisdb disse...

Não estive a fugir à questão original.
Mas é importante perceber que se não ficar claro de que fé estamos a falar, não há estratégia possível de crescimento.
E, parece-me, em geral, muitos dos bloqueios na fé, nascem disso.
Há muita gente a tentar "crescer" numa fé num Deus que não é o de Jesus Cristo. A tentar manter com Ele uma relação de compra e venda. Ou uma relação "facultativa".
E não digo que a "culpa" seja da má vontade das pessoas. Pelo contrário. Penso que muitos percursos catequéticos e pastorais que por aí andam alimentam esse "gato por lebre".
Estás até aqui?

Fátima disse...

Até aí cheguei, sim :P

Ainda há pouco falava com a minha mãe da facilidade com que "trocamos Cristo" por tantas coisas banais da nossa vida :(
É-nos tão difícil sermos bons e darmo-nos aos outros. Temos sempre que fazer um esforço...
E é tão fácil criticar, não gostar, não dar...

Mas no fundo sabemos que só n'Ele podemos ser felizes e queremos ser mais d'Ele... Mas custa!

ruisdb disse...

Aí está um dos problemas.
A nossa fé, enquanto resposta nossa humana, cresce e evolui, como outras dimensões nossas.
Podemos dizer às crianças que Jesus é muito nosso amigo. E é um bom ponto de partida. Porque, usando categorias adequadas à idade e à experiência de vida, diz um pouco qual a relação de Deus (em Jesus) connosco e sugere o tipo de relação que podemos ter com Ele.
Mas noutro ponto de vista é limitado: amigos há muitos e a relação com Deus a sério é, supostamente, ímpar. A relação com os amigos é tendencialmente simétrica; ao passo que a nossa relação com Deus é sempre desigual (Ele é muito mais fiel à relação do que nós).
A que propósito vem isto?
É importante fazer evoluir a nossa concepção da fé ao ponto de percebermos Deus como absoluto, ao lado do qual tudo o resto é relativo.
E esta concepção (entre outras) deve ser um ponto sem retorno. Claro que ao nível da vivência, as coisas andarão umas vezes melhor, outras nem por isso.
Mas o importante é clarificar se aceitamos como centro ou se consideramos legítimo encontrar outros centros.

Fátima disse...

E se considerarmos como centro... e nos desviarmos do centro, mesmo assim?
O que fazer para melhorar?

Obrigada por ir "dando resposta" :)

ruisdb disse...

interessante... desviarmo-nos do centro... sabes que em hebraico a seta que falha o alvo se diz com o mesmo verbo que se usa para "pecado"?
A vida cristã é Evangelho, boa notícia, também porque há a boa notícia que o projecto da fé é viável para todos. Isto é a fé não é apenas enunciada; em Jesus estão os recursos para o acolher.
O que fazer? mantermo-nos no "diálogo". Com as suas multiplas formas de presença: a Palavra, os sacramentos (acção de Jesus hoje), a comunidade reunida em seu nome...
claro que cada uma destas "pistas" dá pano para mangas.
Mas penso que se começa a perceber a lógica da coisa...

Fátima disse...

Então... Diálogo também pode ser oração :P
LOLOLOL! =)
Acho mesmo essencial...

PC disse...

I’m always here :)

Muito interessante este diálogo sobre a fé.

Mas tenho uma dúvida, não sei se me pode responder: é possível “explicar”, transmitir esta fé a quem é muito racional, apenas funcionando pela lógica? A alguém que diz que isto é tudo inventado pelos homens, que Jesus foi apenas mais um homem que existiu, etc., etc., etc., …

Fátima disse...

Também tenho essa dúvida... :)

ruisdb disse...

Assim à partida, eu diria que era muito difícil.
Mas...
A fé não se opõe à racionalidade.
A fé (pelo menos a fé cristã) não consiste, acima de tudo, numa afirmação sobre a existência de Deus, empiricamente inverificável. Não é esse o centro. A questão, para a fé cristã, está em saber se esse Deus merece a nossa confiança. Ou se nós temos a capacidade de n'Ele confiar.
A "crítica" que alguns fazem à "falta de provas" da nossa fé não pode ser superada enquanto as pessoas não perceberem que aqui estamos a lidar com algo diferente.
É que eu tenho alguma dificuldade de perceber, mesmo "cientificamente" como é que se funciona só com a "lógica". O que nos faz humanos vai para lá da lógica. Confiança, sentimentos não são apenas tristes falhas humanas (como diria o mr. Spock, do Star Trek); são os trunfos que asseguraram a nossa sobrevivência como espécie e que ainda hoje nos garantem a existência.
Mas continua de pé a questão: porquê acreditar? Não haverá fé se não houver algo que desequilibre os pratos da balança (seja a balança da lógica ou de outras dimensões humanas).
Mas esse algo nunca será inequívoco. Basta ver o caso dos milagres de Jesus: os espectadores interpretavam os factos de forma diametralmente opostas.
Mas mesmo com toda a possibilidade de equívocos as pessoas só acreditarão se experimentarem algo que as leva a acreditar. Jesus fez um conjunto de sinais, agiu de forma revolucionária; Paulo vai dizer que o grande sinal que leva à fé é a cruz (que, num certo sentido, só prova que Jesus é um fracassado).
A questão que se nos põe a cada um de nós, emquanto pessoas que querem crescer na fé é se temos os ouvidos limpos e os olhos puros para ler bem os sinais que nos são dados. Mas enquanto Igreja, enquanto evangelizadores, é importante perguntarmo-nos se estamos a "produzir" sinais suficientes e adequados.
Os sinais terão se ser capazes de ir ao essencial da condição humana e de abrir a um horizonte de salvação. O grande sinal será, claro está, o amor. Em todas as suas formas: perdão, carinho, serviço, ternura...

Fátima disse...

"O grande sinal será, claro está, o amor."

Às vezes penso que tudo não poderá ser mais lógico, tendo em conta este grande sinal.

Se há Alguém que nos ama de forma tão... estrondosa... Como não fazer d'Ele a razão do nosso viver?

Se quisermos que se torne lógico, dá para ser lógico... Até!

Mas, sentido, é bem melhor! Há coisas que não se explicam :)

Deus... sente-se!

ruisdb disse...

Pois... mas isto do amor...
O amor existe na liberdade.
A "lógica" não é compatível com a liberdade. O que é, é e não pode deixar de ser.
O amor,qualquer um, é diferente. Pode-se não amar. Pode-se recusar o amor. Pode-se interpretar o amor de 1000 formas.
"Se há Alguém que nos ama de forma tão... estrondosa... Como não fazer d'Ele a razão do nosso viver?" Repara que esse raciocinio funciona "para dentro" de quem já está na fé. Não dia nada a quem está de fora (situação colocada pela PC)
O grande desafio é "fazermos" (ou melhor, ecoarmos) sinais que mostrem o tal amor de forma significativa a quem está de fora.
E, para lá destas análises, há uma dimensão dramática. Dizia João da Crua (penso): o amor não é amado.
Ok. isso não faz sentido nenhum; é um absurdo. Mas a verdade é que se pode recusar o Amor absoluto. O que traz à história humana uma dimensão dramática (para não dizer trágica).

Fátima disse...

Que sinais podemos dar... deste amor? Para aqueles que não O conhecem?

ruisdb disse...

Todos os sinais e mais alguns. Mas há que estar bem consciente que o amor não é obrigatório. Tu podes amar alguém (ou oferecer esse amor que vem de Deus) mas o outro não é obrigado a aceitar o teu amor. E tentar "obrigar" o outro, de algum modo, é já trair o amor.
O amor é o que há de mais poderoso. mas é o que há de mais frágil. E isso vê-se em Deus. Ele que é o criador, o omnipotente, ama na fragilidade. Ama na cruz.
Passe esta insistência... quanto à tua pergunta.
Eu diria que precisamos dos sinais de amor ímpar. Daqueles que não corram o risco de ser confundidos com outra coisa. Daqueles que são raros no "mercado".
Amor incondicional. Tudo o que nos torne diferentes do "negócio". Amar, sem condições.
O perdão.
Amar para lá das diferenças.

Fátima disse...

Amar, ajudar, servir... Mesmo quando todos consideram tolice (por assim dizer)?
Amar só "porque sim"... sem nenhuma certeza que os outros corresponderão (ou às vezes com a certeza do oposto)?

ruisdb disse...

Nesse aspecto é amor é necessariamente tolice. Não há equilíbrio nem justiça nem contrato a cumprir.
O amor é entrega radical, oferta.
Não assenta no vínculo da reciprocidade nem da força de um compromisso mútuo.
A possibilidade da rejeição do outro está sempre presente
Claro que isto pode parecer confuso, a nós que somos filhos de uma cultura que usa muito a palavra "amor" para falar de contratos equilibrados e mutuamente rentáveis... que podem ser dissolvidos quando um dos parceiros encontra melhor contrato ou quando...
Isto parece incrivelmente violento. E é.

Fátima disse...

Pois... acaba por ser "tolice" ou "violento", tipo sofrimento próprios...

Mas é esse o desafio, não é?

ruisdb disse...

Não é só "desafio". É da natureza mesma do amor.

ruisdb disse...

desculpem: o comment anterior foi antes de tempo.
Para mim é muito clara a distinção entre "amor" e "contrato".
Chamo contrato a todas aquelas relações (posturas de vida, atitudes...) em que há, explícito ou não, um contrato, uma expectativa de parte a parte. E a relação (de contrato) mantém-se na medida em que as partes cumprem a sua parte.
A maior parte das nossas relações são desse tipo: contrato escolar, trabalho, muitas amizades. E não está mal.
São tão comuns que algumas pessoas (e nós também, já que somos filhos deste tempo) pensam que são as únicas relações possíveis. E quando nós lhes falamos de um outro tipo de relação (o amor), elas respondem, dizendo que o amor é apenas um contrato mal disfarçado. Género, a mãe que se sacrifica pelos filhos, porque espera alguma recompensa. Nem que seja fazer um papel em que acredita. Ou o conjuge que continua a apostar num casamento "falhado" por masoquismo.
E nós que dizemos?
É que o amor não é mesmo um contrato com problemas de identidade.
O amor só existe na liberdade e no dom puro de si.
Nesta altura, começamos a olhar para nós mesmos e reparamos que muito do nosso amor... ainda é coxo.
E podemos ficar angustiados. Há uma sensação dentro de nós que nos diz que só o amor nos saciará. Na dupla dimensão de dar e receber. Não há nada como ser amado incondicionalmente. Não há nada como amar incondicionalmente. Mas será que este desejo tão profundo e poderoso (de que todos os outros desejos [sexual, poder, aparência...] não são senão sombra e projecção) está condenado a ficar frustrado.
É nesta altura que entra a fé.
Em Deus podemos amar. Como Ele.

PC disse...

Amar como Ele? Quantos conseguem? É um caminho que devemos percorrer, o da santidade, mas é mesmo muito difícil. Sinto que ainda me falta TANTO... às vezes, sinto que me desvio... e volto, volto sempre, e Ele sempre está lá, para me receber e esta sensação é mesmo muito boa e não se consegue, pelo menos eu não consigo, explicar pela lógica, simplesmente SINTO-A :)

Rui, obrigada pelas respostas que aqui foi/vai colocando e, principalmente, por me ter mostrado que Ele sempre está lá.

Fátima, as dúvidas sempre vão existir, mas não desistas de as colocar, principalmente enquanto tiveres alguém que tas responda.

ruisdb disse...

Essa sensação q ainda estás longe só acontece qd já tens um termo de comparação. Qd tens já dentro de ti, um "saber" do que deve ser. E isso só acontece qd já há caminho feito.
e esta tensão entre o q desejamos e o q temos é uma das forças propulsoras da fé.
Definitivamente uma das forças importantes a ter em conta é o desejo. Entre nós os cristãos não tem grande fama. Mas estudando os grandes da fé e analisando a nossa própria experiência, acho que é de recuperar. Não reprimir esta força poderosa. basta pensar nos desejos de uma grávida por chocolate. é esse tipo de energia que devemos trazer para a caminhada de fé. Ou podemos falar do desejo sexual; não da líbido indiscriminada mas da atracção forte por alguém. Não crescemos na fé só por ter ideias claras e distintas; ou só por força de vontade. O desejo é importante.