2011/12/12

A anomalia da RDA

Recomendo: FROESE Paul//PFAFF Steven, Explaining a religious anomaly: a historical analysis of secularization in Eastern Germany em JOurnal for the scientific study of religion (2005) 44(4): 397-422.
Quando se tenta explicar sociologicamente a situação religiosa actual, recorre-se quase sempre a uma de duas teorias (ou grupos de teorias): a teoria da secularização e a teoria do mercado religioso.
A teoria da secularização (nas suas inúmeras variantes) é bastante conhecida. Em traços gerais e simplistas afirma que a modernidade, o desenvolvimento científico, o crescimento económico actuam como forças que retiram espaço aos fenómenos religiosos.
É uma teoria que entrou no senso comum e é habitual encontrar responsáveis eclesiais que a subscrevem acriticamente. [E que depois se encontram à rasca para desenhar uma pastoral minimamente criativa!]
Tem alguns limites. O primeiro é que não explica o crescimento religioso dos últimos 30 anos a nível mundial e a relevância que as religiões têm hoje. A segunda (e mais grave, a meu ver) é que entende as pessoas e os agentes religiosos como "sitting ducks", que se limitam a esperar sentados, sem nada fazer para reagir à erosão provocada pela modernização (essa malvada!).
Tendo a desconfiar de todos os modelos que não reconhecem agência (capacidade de actuação) às pessoas e aos grupos.
A teoria do mercado religioso é menos conhecida em Portugal. Mas vai sendo cada vez mais maioritária.
No fundo aplica o modelo económico da oferta e da procura aos processos religiosos. A tal erosão religiosa provocada pela secularização aparece como uma diminuição da procura. Mas, tal como no mercado, a oferta religiosa pode reconfigurar-se para corrigir essa situação. E mais: diz que a existência de uma oferta ampla e concorrencial acaba por fazer aumentar a procura.
Valia a pena aprofundar esta teoria, mas fica para outro post.
O estudo que quero comentar hoje é interessante porque evidencia os limites destas duas teorias.
Eles põem em evidência a situação dos estados da antiga RDA (Alemanha de Leste). São hoje o país com a mais alta taxa de ateísmo (25,4%) e a mais baixa taxa de pertença religiosa do mundo. E, segundo os autores, há aqui uma série de anomalias.
A teoria da secularização diria: "Cá está! Temos razão. Cresce o desenvolvimento, diminui a religião!" Errado. Isso não explica porque é que a RFA (ou hoje , os estados federados do que era a RFA) tem taxas de ateísmo muito mais baixas (7,3%) e taxas de pertença religiosa bem mais altas.
Entra a teoria do mercado religioso: "Ah, com o comunismo e tal e coisa, as condições do mercado religioso foram distorcidas mas agora com a liberdade a pertença religiosa vai aumentar".
Pois... isso verifica-se em todo o antigo bloco soviético (baixa o ateísmo, sobre a pertença religiosa... ao mesmo tempo que há mais liberdade, mais individualismo, mais desenvolvimento económico)... mas não na RDA. Estes valores da RDA são anormais, mesmo em comparação com os vizinhos ex-comunistas.
E, para complicar... já disse que a taxa de ateísmo cresce... depois da queda do muro de Berlim?
De 1990 para 1995 a % de ateísmo subiu dos 21% para os 25. Nos outros países ex-comunistas está sempre abaixo dos 10%. E tem vindo a baixar.
Os autores do estudo defendem que esta anomalia obriga a ser mais exigente nas explicações sociológicas. Não basta agarrar uma teoria one-fits-all.
Ao longo do artigo eles vão tentar explicar como a história civil, política, cultural, eclesial é necessária para explicar os resultados actuais.
Simplificando:
começam no século XIX, com a industrialização e com a urbanização massiva. Os conflitos sociais que se geram vão encontrar as igrejas do lado do status quo, opostos aos interesses de mais direitos para o proletariado. Podemos recordar Marx e o ópio do povo. Não esquecer que na Alemanha as igrejas têm uma forte ligação ao estado. Por outro lado, os territórios da RDA são dos mais industrializados da Alemanha. E onde a clivagem contra a religião se vai fazer mais sentir.
As igrejas (mais a luterana dominante do que a católica, mas...) além de não sintonizarem com os grandes desafios das massas trabalhadoras (desculpem a calão leninista) não investem em pessoal nas cidades. A atribuição de recursos pastorais não acompanha a rápida urbanização. Aqui em Portugal, a partir dos anos 70... ring a bell?
A somar a isto, de 1933 a 1945, com os nazis tens uma política de estado abertamente ateia e fortemente condicionadora das igrejas (mais dos luteranos do que dos católicos, mas...)
Depois, de 1945 e 1989 a RDA é dominada pelos soviéticos e desenvolve uma política anti-religiosa muito agressiva: educação, repressão, infiltração da hierarquia por elementos a STASI... mais uma vez a política das igrejas (mais os luteranos, uma vez mais... não esquecer que naquela região são/eram a confissão maioritária) é de apaziguamento... cristãos pelo socialismo etc e tal (os idiotas úteis de Lenine...) Durante o regime socialista as igrejas da RDA não se assumiram como uma alternativa social, cultural e política ao regime vigente.
Depois da unificação as coisas "pioram" ainda mais.
Aplicam-se as leis gerais e práticas do ocidente. Os cristãos que tinham conseguido resistir são sujeitos ao imposto religioso (coisa que nunca tinha acontecido durante o comunismo)... o que levou a muitos afastamentos. Muita gente sente que houve uma colonização ocidental. E as pessoas reagem a isso recusando tudo o que vem de Oeste. Também a religião.
Por outro lado, a unificação foi muito dura em termos laborais e financeiros. E as pessoas começaram a idealizar o passado mais simples da RDA. E começaram a apropriar-se de tradições e símbolos da RDA... como o ateísmo.
Bem... to cut a long story short...
QED que a história é complicada.

2011/12/10

um inquérito à pressão sff!

No ISSP 2008 a Q16 (v33) (Das seguintes frases, indique, por favor, aquela que traduz melhor a sua opinião sobre Deus) traz-me algumas dúvidas.
É suposto o respondente escolher uma e apenas uma das opções, entre as seguintes:
N
ão acredito em Deus 1
Não sei se Deus existe nem acredito que haja maneira de saber isso 2
Não acredito num Deus personificado, mas acredito na existência de
uma Força Suprema qualquer. 3
Há alturas em que acredito em Deus e alturas em que não acredito 4
Embora tenha dúvidas sinto que acredito em Deus 5
Sei que Deus existe e não tenho qualquer dúvida a esse respeito 6
Primeira questão: As várias opções são mutuamente exclusivas? Não haverá sobreposições possíveis.
Uma outra observação:
Em várias das opções “Deus” (o objecto em estudo) não é definido nem descrito (1, 2, 4, 5, 6). Mas a opção 3 já incide sobre o conteúdo do objecto (um Deus personificado versus “uma Força suprema qualquer”).
A acção inquirida ao respondente é se “acredita”. Não se avança com uma descrição do que significa “acreditar”. Pela análise dos outros verbos presentes, “acreditar” designa a forte probabilidade de existência do objecto “Deus”. O grau mínimo de “acreditar” é “Não acredito” e o grau máximo “Sei que Deus existe”. A matizar a distância entre estes dois extremos está a “dúvida. Na opção 5 a dúvida coexiste, embora em tensão com o acreditar. O acreditar aparece suportado pelo “sentir”; o que desloca a dúvida para o campo da racionalidade.
Pode ser interessante “testar” esta questão. Pedir aos participantes para se colocarem perante cada uma das opções numa escala Likert.
Aqui está o inquérito que vai permitir testar esta coisa. Por favor, passem aos vossos contactos.

2011/12/08

Fontes para a sociologia da religião em PT

Finalmente, comecei a escrevinhar algumas coisas para a tese.
Vou deixando aqui uns resumos.

Desde o final dos anos 80, os países europeus começaram a dispor de inquéritos regulares na área da sociologia da religião.

ESS

O European Social Survey (ESS) é feito cada dois anos em quase todos os países europeus e permite medir os indicadores religiosos mais fundamentais: a pertença a uma religião, uma eventual antiga pertença, um autoposicionamento de intensidade religiosa, a frequência aos actos de culto e a frequência da oração pessoal. Este inquérito aborda muitas temáticas. O que traz a vantagem de cruzar as questões religiosas com outras.
Sendo a última das grandes séries de sondagens a aparecer, houve um cuidado muito grande com os aspectos formais e metodolóogicos: “The objective of the ESS is to design, develop and run a conceptually well-anchored and methodologically bullet-proof study of changing social attitudes and values. Achieving these aims in a cross-national context requires 'optimal comparability' in the operationalisation of the study within all participating countries. This 'principle of equality or equivalence' applies to sample selection, translation of the questionnaire, and to all methods and processes. Above all, we must ensure that all procedures and outcomes are comprehensively documented in a standard way.
Este inquérito foi realizado em Portugal continental. A omissão dos dados das Ilhas pode alterar ligeiramente os valores médios nacionais. Usa respondentes a partir dos 15 anos.

EVS

O European Values Survey (EVS) é realizado cada 9 anos (1981, 1990, 1999, 2008). Portugal só não participou na primeira vaga (1981). Há um leque amplo de questões religiosas: a pertença religiosa, as frequências de culto e de oração, os ritos de passagem, a centralidade da fé, a adesão a alguns “dogmas” da fé…
Também este projecto não inclui dados das Ilhas. Usa respondentes a partir dos 18 anos de idade.

ISSP

O International Social Survey Programem (ISSP) realiza-se em cada ano. Portugal participa desde 1997. Em cada ano há um tema sociológico diferente. A temática religiosa apareceu em 1991 (Portugal não participou), em 1998 e em 2008. Usa respondentes com idades a partir dos 18 anos.

Apesar da disponibilidade destes dados, não há muitos estudos, feitos sobre eles, no contexto português.
Todas estas séries de estudos internacionais têm a vantagem de permitir a comparação entra países e a investigação sobre tendências e fenómenos de alcance internacional. O que gera um problema de contextualização. O inquérito deve ser idêntico em todas as diferentes versões que são aplicadas nos diferentes países. Para isso as questões postas devem ser gerais e descontextualizadas. Mormente no campo religioso, não podem estar dependentes das percepções e especificidades religiosas de cada país ou região. Mas, por outro lado, “les formes de religiosité et les conceptions du divin sont três différents selon les civilizations et on peine à bien mesurer les univers religieux sans tenir compte dês spécificités d’une region” . (BRÉCHON Pierre, La mesure de l'appartenance et de la non-appartenance dans les grandes enquêtes européennes, in Social Compass, 56 (2009) 2, 163-178) A consequência é um certo genericismo das questões; omitem-se as crenças e experiências mais específicas de cada religião em nome de uma vulgata religiosa, mais ou menos consensual entre os especialistas da sociologia da religião.
Mesmo com estas limitações pode ser iluminante determo-nos a estudar os dados disponibilizados e as concepções teóricas que estão por detrás deles.

2011/12/07

Emic vs Etic; qualitativo vs quantitativo

Estou a ler ARROYO MENÉNDEZ Millan, Religiosidade e valores em Portugal: comparação com a Espanha e a Europa católica (aqui)
O autor é um espanhol que se interessa por métodos em sociologia e pela religiosidade. No início deste artigo (onde trabalha com dados quantitativos) faz o reparo:
Apesar de ser a abordagem aqui empregue, a aproximação quantitativa não será a mais desejável.
Para poder optimizar a aproximação empírica aqui abordada são necessários estudos qualitativos através dos quais se possa contrastar e contextualizar o significado dos dados, variáveis e indicadores,quando se abordam temáticas tão complexas como as identificações, as crenças, os valores e as sensibilidades. Estes fenómenos são, no melhor dos casos, difíceis de apreender na sua complexidade a partir de indicadores concretos — que simplificarão necessariamente a realidade abordada. No entanto, os dados de inquérito susceptíveis de extrapolações inéditas são
fáceis de encontrar e o acesso às bases de dados originais também não parece ser complicado, enquanto o acesso a materiais empíricos qualitativos é praticamente impossível, em primeiro lugar, pela grande escassez de estudos desta natureza existentes e, em segundo, porque, quando efectivamente existem, não têm o hábito de facilitar os materiais intermédios (gravações
de áudio, transcrições, etc.) aos investigadores. Seguidamente, apresentaremos uma descrição dos dados estatísticos reunidos e, numa tentativa de ir mais além de uma visão meramente descritiva, ofereceremos interpretações e explicações dos mesmos — cuja confirmação depende da sua contrastação com outras abordagens qualitativas.

2011/11/29

Ando a ler (6)

Comecei a ler um número (2006) da revista Hedegehog, chamado “After secularization”. O segundo artigo (DAVIE Grace, Is Europe an exceptional case?, in The Hegdehog Review. Critical reflections on contemporary culture, 8 (2006) 1-2, 23-34) tem a curiosidade de a autora oferecer algumas previsões sobre a evolução religiosa da Europa.
São previsões com grau diferente de certeza.
Na primeira, ela “pensa” que a religião vicária (é um conceito que ela usa; a maioria delega numa minoria o exercício religioso) se vai manter até metade deste século. O modelo de mercado religioso (em que há uma constante negociação entre oferta e procura) tenderá a crescer. O que complica esta previsão é que também as igrejas históricas entrarão nesta opção de mercado.
Na segunda previsão, ela “sabe” que a presença do Islão é um factor crucial. Não só porque é mais um parceiro a jogo mas pró ser um catalisador de mudanças profundas no horizonte religioso da Europa.
A terceira previsão é uma “evidência”: a combinação destes factores aumentará (e não diminuirá) a dimensão pública da religião.
Dá para perceber que a autora não é grande fã das teorias clássicas da secularização.

2011/11/19

Ando a ler (5)

Por causa das dúvidas estou a ler FURSETH Inger and REPSTAD Pål, An introduction to the sociology of religion. Classical and contemporany perspectives, Aldershot, Ashgate, 2006. Vi a recomendação deste manual de sociologia da religião numa recensão publicada na Análise Social (uma revista do ICS).
Para um não sociólogo como eu, começaram bem, explicando os conceitos base da sociologia, apresentando o pluralismo de ideias que há na sociologia.
Algumas “teses” a reter.
1. Os fenómenos “sociais” podem ser explicados por acumulação de causas individuais. Ou, no lado oposto do espectro, por um sistema estrutural. Ou por uma explicação que fique no meio. Para lá dos extremismos simplistas, as autoras alertam para a tensão que há entre a “sociology from below” (mais atenta ao papel dos sujeitos) e a “sociology from above” (mais atenta ao peso das estruturas).
2. A tensão entre uma perspectiva idealista e outra mais materialista.
3. A tensão entre os que defendem uma visão eminentemente harmónica da sociedade e aqueles que defendem um maior papel do conflito.
4. A evolução de uma visão mais essencialista (estática) da sociedade e do real para outra mais construtivista.

Ando a ler (4)

A ler PAIS José Machado, CABRAL Manuel Villaverde and VALA Jorge, Religião e bioética, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2001.
É um conjunto de estudos feitos a partir de dados da 3ª vaga do ISSP (dados recolhidos em 1998).
O primeiro artigo é CABRAL Manuel Villaverde, Prática religiosa e atitudes sociais dos portugueses numa perspectiva comparada.
Assume-se como um não especialista e sociologia da religião (pag. 21) e declara assumir as “considerações gerais de alguém como Niklas Luhmann”. Luhmann defende que na sociedade industriais e pós-industriais não há um sistema central de significado; todos os sistemas coexistem, de forma mais ou menos articulada, mais ou menos tensa.
Diz Cabral, apoiando-se em Luhmann: “o estudo sociológico dos fenómenos religiosos é forçado a proceder a uma redução metodológica contra aquilo mesmo que, segundo a dogmática religiosa, define a religião, a saber, o facto de esta se representar como explicação global de todos os fenómenos sociais e, portanto, não só transcender a explicação sociológica como na realidade a incluir.” (p. 21)
Ainda não consegui deitar as mãos a um exemplar do Luhmann em inglês e por isso estou às apalpadelas. Mas ficam-me algumas dúvidas.
Onde é que está a ideia que a religião explica, de facto, todos os fenómenos sociais? Mesmo numa “dogmática” que não reconheça a “legítima autonomia das realidades criadas” (Vaticano II) o papel central, hegemónico, se quisermos, da religião coloca-se ao nível do “dever ser”, não ao nível dos factos.
Em nota, Cabral dá como exemplo de uma sociologia da religião superada (e a superar) o texto de Luís França, por este procurar explicar determinados factos a partir de factos intra-eclesiais. Estranho. Que raio de sociologia é esta que tem o sue objecto de estudo desprovido de agência?
Cabral continua a recorrer a Luhmann para fazer a distinção entre experiência e acção. Mas tenho que cá voltar.

2011/11/08

Ando a ler (3)

Finalmente acabei de ler WAGNER Wolfgang and HAYES Nick, El discurso de lo cotidiano y el sentido común. La teoria de las representaciones sociales, Barcelona, Anthropos Editorial, 2011. É um livro que saiu em espanhol em 2011. É uma apresentação avançada da teoria das representações sociais. Foge bastante aos livros do mesmo género, mais antigos. O peso da reflexão epistemológica é bastante mais consistente.

2011/11/05

Ando a ler (2)

Continuo no mesmo livro de ontem. Agora a ler o artigo de PETTERSON Thorleif, Religion in contemporary society: eroded by human well-being, supported by cultural diversity, in ESMER Yilmaz e PETTERSON Thorleif, (Edited by), Measuring and mapping cultures: 25 years of comparative value surveys, Leiden, Brill, 2007, 127-154
A tese é interessante. Procura perceber como é que se articula a teoria da descristianização com a teoria do mercado. Tenta identificar quais os factores que contrariam a pressão da modernidade na diminuição da adesão religiosa.
O que me detém hoje é o facto de ser comum neste tipo de estudos feito a partir do EVS(e do WVS) escolher os países como unidades de análise. Somam-se os dados dos países, calculam-se as métricas habituais et voila!
Mas se algo marca hoje a sociologia é a consciência da fragmentação social. Num “país” coexistem uma série de clusters….

2011/11/04

Ando a ler (1)

A ler: ESMER Yilmaz e PETTERSON Thorleif, Measuring and mapping cultures: 25 years of comparative value surveys, Leiden, Brill, 2007
É feito com dados do WVS de 1981 a 2001.
Em vários artigos a temática religiosa aparece.
Em especial detive-me em: NEVITTE Neil and COCHRANE Christopher, Individualization in Europe and America: connecting religious and moral values, in ESMER Yilmaz e PETTERSON Thorleif, (Edited by), Measuring and mapping cultures: 25 years of comparative value surveys, Leiden, Brill, 2007, 99-126
Como o título diz, pretendem estudar a evolução dos indicadores religiosos e a sua relação com a evolução dos indicadores morais.
Partem da “teoria” da individualização”. Esta prevê a descolagem dos valores humanos das instituições tradicionais (família, trabalho, política, religião…)
A hipótese a testar é se “wether religion is losing its hold on the moral outlooks of citizens in western countries” (p. 102).
Começam por medir a evolução dos indicadores religiosos. Chamam a atenção para a assimetria que se verifica dentro da Europa. Claro que há uma baixa na Europa. Há também uma baixa nos EUA, mas muito menor que a europeia. “The more surprising finding is the evidence of the relative stability in levels of religiosity between 1981 and 2000. Levels of religiosity have declined, but they are not plummeting and nor are they down everywhere.” (p. 105)
A seguir apresentam a evolução dos valores morais. Há uma tendência de aumento da permissividade moral. Em todos os países, excepto na Dinamarca. Aumento mais acentuado nos EUA do que na Europa.
Depois estabelecem a correlação entre a evolução da religiosidade e a evolução da permissividade moral. “The results are somewhat mixed” (p. 109). Esta relação baixou na Europa. (Estamos a falar da relação e não apenas dos níveis morais). Mas nos EUA o padrão é o oposto: a correlação aumentou. E isto põe em causa a hipótese da individualização. “The european findings are consistent wuth the individualization hypothesis; the north American findings clearly are not” (p. 109).
O que significa que a variação dos padrões morais tem outras causas para lá do simples declínio dos níveis de religiosidade.
Para explicar estas discrepâncias lançam a hipótese que haja uma forte relação entre os níveis de envolvimento associativo e a individualização. A participação activa em organizações religiosas serve como contrapeso às tendências permissivas do resto da sociedade.
O artigo é cuidadoso no design da análise que faz e conclui positivamente: “active associational involvement in voluntary religious organizations serves as a counterweight to the individuzliation of eligious and moral values in a far more profound way than either passive spirituality or even such habitual, but generally non-interactive, forms of involvement as church attendance” (p. 115).
A pensar
De salientar que são autores anglosaxónicos. A desatenção à dimensão social e cultural é bastante forte. Por exemplo, não falam nunca do papel dos media. Aparentemente tudo se joga entre as instituições sociais tradicionais que perdem poder e a crescente individualização. Mas os media têm um poder crescente. Outra questão é o papel das agendas culturais: os tais valores mais permissivos não existem apenas nos indivíduos; eles são propostos e reforçados pelos curricula escolares, pelas normativas legais, pelos aparelhos de propaganda e normalização cultural. Nada disso é tido em conta.
Nesse sentido, a teoria da representação social é mais abrangente. Não ponho em causa o impacto que estará a ter o individualismo como ideologia e como prática. Mas ele não existe num vazio de ideias.
Por outro lado é interessante ver confirmada empiricamente uma das intuições da pastoral juvenil salesiana (e da teoria da animação): o papel do grupo para construir alternativas à cultura dominante.
Vou querer ler mais algo sobre a tal teoria da individualização. Talvez BECK Ulrich and BECK-GERNSHEIM Elisabeth, Individualization: institutionalized individualism and its social and political consequences, London, Sage, 2002;

2011/08/28

JMJ Madrid: the day after (1)

Avaliar e aprender com a JMJ 2011
Profissionalmente e eclesialmente interesso-me por estas coisas da pastoral de jovens. Tive a oportunidade de participar na JMJ em Madrid. Eu, e imagino todos os outros peregrinos, estou naquela fase de desenhar o follow-up das jornadas. Muito desse trabalho acontece a nível interior e a nível das propostas micro que se vão desenhando e implementando em cada grupo, em cada paróquia, em cada movimento.
Mas gostaria também de pensar a um nível mais macro, mais amplo. O que podemos aprender com as jornadas?

Como avaliar?
Avaliar um processo gigantesco e ímpar como uma JMJ traz, até a nível teorético muitas dificuldades de avaliação. Uma JMJ não é um evento único: são centenas de propostas, milhares de interacções a acontecer. Desenhar um protocolo de avaliação que agarrasse toda esse vida, toda essa riqueza, parece impossível.
O sujeito individual, o grupo, a associação que participa nas JMJ, são realidades relativamente homogéneas que assumem (conscientemente ou não) um certo número de objectivos ao participar nas jornadas. Por isso, é mais fácil para eles aferirem o grau de realização desses objectivos. À medida que avançamos para um nível diocesano, nacional ou mundial, os objectivos cruzam-se, diversificam-se, confundem-se e tornam uma avaliação credível muito difícil.

Data makes the world go round…
Mas mesmo assim seria bom fazer todo o possível para uma avaliação séria. E é aí que começam as dificuldades. Do Papa ao mais humilde delegado diocesano o que se tem lido é muito impressivo. Não há dados numéricos consistentes. Não há acesso aos mecanismos e procedimentos de acesso aos dados. Há é bastante spin. E, por sinal, bastante bem feito.
Gostava de saber quantas pessoas estiveram na JMJ 2011. Gostava de saber como é que essa contagem é feita. Gostava de saber demográficos dos peregrinos inscritos. Gostava de saber quantos peregrinos portugueses se inscreveram. Idades, dioceses de origem, género. Gostava de saber se o DNPJ contabiliza nos portugueses os membros de movimentos que se inscreveram directamente. Gostava de saber as razões da anomalia estatística de Lisboa (mais de 2000 inscritos, o triplo das dioceses que se seguem). Li que a média de idades era de 22 anos; as inscrições seguem uma curva de Gauss normal? A abertura aos maiores de 14 anos teve real impacto.
Gostava também de perceber alguns factos. É mesmo só para saber. Não pretendo usar os factos contra nada nem contra ninguém. Como disse, estive lá e gostei. Mas gostava de saber o que aconteceu em Quatro Vientos com a água? E com as comunhões (as explicações que foram dando não explicam nada; são spin puro)?
Quando cheguei ao aeródromo o sistema de som elogiava a postura práfrentex de Bento XVI em relação à ecologia… em termos de avaliação, não haverá uma palavra sobre a pegada ecológica do evento? Sobre o sistema de gestão do lixo (ou sobre a ausência dele)?
O que se passou com a segurança? Havia muitos voluntários mas pareceu-me notório (cá está: eu fico com as minhas “impressões”, dada a ausência de elementos objectivos de avaliação) a ausência de pessoal um pouco mais “sénior”. Exemplo: eu estava na zona C2, mesmo junto ao “edifício” da imprensa; depois da tempestade entraram no nosso recinto (estava mesmo ao lado) primeiro uns jornalistas; só uns minutos depois, já o vento tinha amainado, aparece um casal do SAMUR com ar de quem anda a ver se há algum problema. Tanto quanto me apercebi, não havia ninguém preparado para contingências.
A verdade é que esta ausência de dados somada a doses massivas de spin não é exclusiva da JMJ. Em Portugal, pelo menos, é a prática habitual. Este pedido de dados não deve ser entendido como um reunir arsenais para um qualquer confronto. Os dados, nus, neutros quanto possível, são apenas um elemento útil para uma avaliação séria.
Continua...

2011/08/02

multiculturalismo da treta

O último número da Papers on Social Representations é sobre a solidariedade social. Hoje estive a ler BERRY John W.Integration and multiculturalism. ways towards social solidarity.
O artigo apresenta as ferramentas básicas para conhecer os processos pelos quais gurpos diferentes coexistem num mesmo espaço social.
Motivei-me ao tema porque me poderia dar algumas ideias de como é que um grupo que me interessa (a Igreja) se relaciona ou pode relacionar com o grupo mais amplo da sociedade.
Frustrante. O artigo apresenta-me alguma terminologia que eu não domino bem e que me enriquece. Mas é muito superficial, há artigos citados que não aparecem na bibliografia, simplista.
E esquece os princípios mais interessantes da TRS: como é que um grupo minoritário consegue alterar as representações de um grupo maior.

2011/05/05

Novo número da Papers on Social Representations

Já está online o novo número da Papers on Social Representations.
Como é que as sociedades se mantêm unidas, apesar das diferenças? Um tema clássico da sociologia, lido à luz da TRS.

2011/03/28

Norbert Elias

Uma das coisinhas interessantes que estive a ler nos últimos tempos:
Norbert ELIAS, O processo civilizacional. Investigações sociogenéticas e psicogenéticas
O livro é um clássico. A edição final do autor é de 1976.
O livro está muito bem escrito. A questão que interessa é perceber como é que sociedade e indivíduo se articulam. Na corrente maioritária sociologia e psicologia são dois campos cientificamente separados porque têm objectos de estudo distintos. A tese do autor é que precisamente isso não acontece. O sujeito não se entende sem a sociedade e a sociedade sem o sujeito. Pode parecer simples mas "mexe" com muits tradição instalada.
Para defender a sua tese ele faz uma história da civilização europeia desde a idade média e mostra como as condições sociais, culturais, económicas foram moldando a estrutura psicológica das pessoas.
Para mim que estou a usar uma ferramenta analítica (teoria das representações sociais) vinda da psicologia social isto é um documento de fundamentação sólido.
Devo começar que me custou a ler a introdução do livro; o autor falava e falava e eu sem perceber de que é que ele estava a falar. Se vos acontecer o mesmo, façam como eu: leiam o livro todo e, depois, com calma, leiam a introdução. Fica-se a perceber qual o combate do autor

2011/03/08

teorias do desenvolvimento religioso

meio por acaso dei com isto, na internet
KORNIEJCZUK Victor A., Psychological theories of religious development: a seventh-day adventist perspective.
É já de 1993; trata-se de um adventista que, com bastante rigor epistemológico, faz um levantamento das teorias de desenvolvimento religioso.
Achei a coisa interessante porque há por aí muita gente "fascinada" com o tema e que tenta, na pastoral, aplicar acrtiticamente estas coisas.
O autor apresenta as várias teorias com honestidade mas tenta explicitar os pressupostos epistemológicos e teológicos. E, a partir daqui, evidencia as fragilidades das várias teorias.
No fundo a crítica dele é que estas teorias (e a investigação empírica que delas deriva) está a misturar alhos com bugalhos.
Ele, a título de exemplo, mostra como a experiência dos adventistas é sistematicamente subvalorizada nestes modelos. E, digo eu, o mesmo se passaria com uma abordagem católica.
1ª crítica a reter: discutir seriamente os pressupostos epistemológicos (psicologia) das várias teorias.
2º: Discutir teologicamente

2011/03/02

a linguagem come tudo

Não tem quase nada a ver comigo mas leiam este link.
Relata um estudo em que se prova que os centros visuais do cortex de pessoas cegas sofrem um takeover das funções de linguagem.
O nosso cérebro não é todo igual; há zonas afectas a processos diferentes. O que aparece neste estudo é que as zonas de processamento visual podem ser reprogramadas, nas pessoas cegas, para servirem as funções de linguagem. A linguagem come recursos como tudo.
O que, se calhar, diz muito, sobre a importância que ela tem para nós.

2011/02/16

pessoas religiosas

Há tempos apanhei uma borla para aceder aos arquivos de uma revista inglesa de teologia: Theology
Sinceramente, não achei a linha editorial nada de especial. Saquei uns artigos cujos títulos me pareciam mais interessantes. Achei o nível entre o banal e o fraquinho.
Aqui quero comentar um em especial: HARRISON Victoria S., On defining the religious person em Theology 2007, pp. 243-250.
Ela mostra a crise que a tarefa de definir uma pessoa religiosa enfrenta hoje. Tradicionalmente, pessoa religiosa seria a que cumpria, cumulativamente, dois critérios: 1) estar afiliado a uma instituição religiosa e 2) ter convicções religiosas.
Nem vale a pena discutir a fragilidade da coisa.
Qual grande surpresa a autora tenta mostrar como ambos os critérios estão hoje em crise. É possível ter convicções religiosas fortes sem estar ligado a uma instituição religiosa; é possível negar ter convicções religiosas e mesmo assim tê-las.
A autora continua a discutir a tese da descristianização, a desisntitucionalização etc e tal... mas não vai muito longe ao tematizar a complexidade como marca da sociedade contemporânea.
Enfim... uma introdução muito levezinha a um tema interessante.
O que me causa mais espécie (muito para lá do texto do artigo) é esta questão da privatização. É óbvia a força desta tendência... ou nem por isso.
A tese geral é que os mecanismos de controle-influência social estão a perder peso e que uma série de dimensões da vida das pessoas são decididas privadamente.
Como sou um bocado lerdo, pergunto-me: o que quer dizer privado? É o oposto de social? É interpessoal de curto alcance?
Mas isso supõe que, magicamente, uma série de forças poderosas (media, cultura, escola...) se auto-silenciaram... é isso que acontece? Não me parece.

2011/01/20

Sequeri

Esteve esta semana em Braga, o prof. PierAngelo Sequeri.
Um teólogo (muito) interessante e algo (muito?) difícil de entender.
Na conferência que fez fiquei impressionado com a sua acessibilidade.
Se houver quem se interesse por conhecer melhor a sua teologia, deixo aqui uma sugestão:
GALLAGHER Michael Paul, Truth and trist: Pierangelo Sequeri's theology of faith, em Irish Theological Quarterly 73 (2008) 3-31.
É uma apresnetação-resumo da teologia de Sequeri.

2011/01/10

Antígona

Há tempos morreu Carlos Pinto Coelho.
Nos meus anos de início de adolescência vi uma adaptação televisiva da antígona de Sófocles.
Ele, já conhecido como jornalista de televisão, faz o papel do coro grego como se fosse um pivot de telejornal.
Não sei, a esta distância, apreciar o mérito teatral da coisa. De qualquer forma, na altura, impressionou-me.
E tenho andado, por estes dias, à volta com Antígona.
Para nós que nos interessamos por educação, esta figura tem um potencial interessante. Embora seja do mais anti-epocal que possa haver.
E por estes dias o Geração de 60, publicou 3 posts sobre Antígona. a ler.

2011/01/05

heresias?

Prossegue a minha análise dos dados.
Mas dei-me conta de um risco analítico. Com facilidade tendo a catalogar posições dos sujeitos em termos das grandes "heresias" do passado: sabelianismo, adopcionismo... (para quem não está muito por dentro disto da teologia trinitária, garanto que são correntes de pensamento reais; não estou a inventar.)
Mas se calhar não são comparáveis. Uma coisa é uma heresia pensada por teólogos. Outra é uma representação social.
Seria interessante perceber que imagem de Deus tinham mesmo os seguidores de uma igreja ariana (refere-se à heresia de Ario e não a uma qualquer raça ariana). Mas sobre isso temos muito poucos dados ou nenhuns.
No passado, os teólogos e pastores eriçavam-se todos com os que pensavam e escreviam; talvez fosse mais útil dialogar (mesmo que fosse para combater) com o que dizia, pensava e sentia a gente simples.