2009/02/13

Iniciação cristã: continuidade e ruptura

Quem tem acompanhado as minhas intervenções (formação, revista Catequistas) sabe que sou fã do modelo da Iniciação cristã. Por tantas razões.
Vou-me é apercebendo que a expressão "Iniciação Cristã" significa coisas muito diferentes para pessoas diferentes.
Para mim, a IC tem um carácter fortemente digital, discreto. No sentido em que a progressão do candidato não ocorre de forma linear, contínua, analógica. Mas se dá, em alguns momentos, por saltos, por rupturas. A experiência de Paulo a caminho de Damasco é exemplo disso. Há um antes e um depois.
A que propósito vem isto?
De um artigo de LEIJSSEN Lambert, Les rites de passage dans un contexte postmoderne. L'inversion de la domande et de l'offre, Questions liturgiques 88 (2007).
Mais uma vez é um liturgista. O título do artigo atraiu-me. mas fiquei algo desiludido.
Ele tenta explicar que no contexto pós-moderno a prática dos ritais de passagem se altera. so what?
O que me chama a atenção é que ele não consegue tematizar os sacramentos em si mesmos, como rituais de uma comunidade iniciada. O problema seria apenas como celebrar com gente que tem uma adesão muito débil à fé.
A certa altura ele identifica esses potenciais consumidores de ritos, com a tal fé tão frágil, com os pobres, os indigentes, os doentes. A conclusão, para ele é óbvia. Para não atraiçoarmos a prática de Cristo, a Igreja tem de se adaptar e ir ao seu encontro.
E é aqui que o problema não é catequético nem litúrgico mas dogmático.
O que a crise de pertença eclesial que a laicização da modernidade provocou e que a pós-modernidade agudizou é que nem todos são cristãos. E nós até reconhecemos que a misericórdia de Deus é imensa. O Reino é maior do que a Igreja. O principal é o Reino. a Igreja é apenas a porção auto-consciente do Reino que está no mundo para fazer crescer o Reino.
E é preciso aceitar isso até ao fim. Para lá da Igreja, dos seus ritos, há muita vida. E vida valiosa aos olhos de Deus. Que não deve ser eclesializada à força!
As pessoas na sua não-fé, na sua busca de fé, nas suas hesitações e contradições devem ser respeitadas naquilo que são e naquilo em que acreditam. Claro que as devemos evangelizar, promover o diálogo. Mas condição essencial do diálogo é o respeito pela diferença.
Se as pessoas que se vão casar têm alguma fé ao ponto de querer sacralizar a sua relação de algum modo (com todas as dificuldades de expressão que tenham) a Igreja deve ir ao encontro disso propondo ritualidades consistentes com "isso" que está em causa E se não há fé suficiente para assumirem o sacramento-matrimónio full-scale, iso deve ser respeitado.
No fundo, continua a tentar reeditar-se o regime de cristandade. E alguns acreditam que para o conseguir, neste contexto de pós-modernidade com as suas pertenças e convicções débeis, a Igreja deveria tornar-se um camaleão, disposta a oferecer a cada um aquilo que ele quer. Ou seja que, de algum modo já detém. Ou seja, a não oferecer nada.
Obrigado mas não vou nisso

3 comentários:

PC disse...

Pelo que percebi, na sua opinião, a Igreja deve acolher os que têm menos fé, mas têm alguma, tentar de algum modo tornar mais consistente as suas ritualidades, como é a questão do casamento. Muitos o fazem pela Igreja apenas porque é “socialmente” correcto ou porque torna a festa mais bonita, mas no fundo porque tiveram uma educação cristã, talvez apenas na infância, mas algo ficou. A questão é, o quê que a Igreja está a fazer ou o que pode fazer para conseguir trazer essas pessoas para uma vivência mais consistente na sua fé em Cristo?

ruisdb disse...

Na opinião do autor do artigo, a Igreja deveria adaptar as suas ritualidades para poder ir ao encontro daqueles que têm motivações de fé mais débeis. A ideia seria aproveitar o "algo que ficou".
Na aparência isto parece muito interessante e muito "cristão". Mas eu continuo a achar que assenta numa falácia. Qualquer acto eclesial (também os rituais litúrgicos) devem ao mesmo tempo, ser fiéis à mensagem de Deus e aos destinatários. Isto dá amplo espaço para modificações necessárias na forma como celebramos a fé.
Mas ao mesmo tempo, há que preservar a identidade das coisas. Eucaristia é o que é; dizer que é apenas um encontro de amigos, ou um símbolo é redutor.
Duas pessoas que se juntam é uma coisa; um sacramento do matrimónio é outra.
O autor parece colocar-nos perante uma (falsa) alternativa: ou (1)continuamos a fazer o que sempre fizemos e dizemos a quem não tem fé (ou a tem mais imatura) que se desenrasque ou (2) nos adaptamos nas nossas propostas à condição de quem nos vem ao encontro.
Eu creio que há uma 3ª alternativa.
respeitar a pluralidade das situações de fé e desenvolver práticas (rituais também) que lhes levem o Evangelho.
Imagina um casal que quer baptizar o filho. Não são grande coisa de Igreja, não estão muito conscientes do que é isso de educar o filho da fé católica. Mas entre pre-conceitos e um vago sentimento religioso, querem o melhor para o filho e esse "melhor" (de que nem sabem bem dizer o nome) até pode ter uma componente religiosa. O que é que temos feito? 1 - Achar que não passa nada, baptizar a criança na inexistente ou insuficiente fé de pais e padrinhos; 2 - Dar-lhes um pontapé e dizer "O que temos é para gente de fé a sério, que não é o vosso caso; por isso ide à vossa vida".
Não seria possível fazer um rito de acolhimento na caminhada?
Alguma criatividade ajudaria sem dúvida a respeitar a condição das pessoas e a verdade da fé.
E no meio disto o que falta ao autor, peno eu, é aquilo que ti referes no fim do teu comentário: quê que a Igreja está a fazer ou o que pode fazer para conseguir trazer essas pessoas para uma vivência mais consistente na sua fé em Cristo?
Estamos nós empenhados em propor a quem está de fora a nossa mensagem? Num diálogo sério?

PC disse...

Concordo consigo.
Mas não tenho conhecimentos suficientes para responder às perguntas levantadas, por si e por mim.