Espero começar agora uma série de posts "chatos" sobre a fundamentação metodológica.
Não se trata de nenhuma imposição nem do gosto de espantar os poucos e corajosos viajantes que aparecem por aqui. Mas num projecto de investigação (doutoramento ou coisas mais básicas) reflectir sobre como se faz a própria investigação tem todo o sentido, em ordem a conseguir maior qualidade.
é verdade que isto é bastante árido mas nos últimos 2 anos tenho trabalhado um pouco sobre isto. Mais na persepctiva das ciências humanas e dos métodos qualitativos. Mas agora penso que é preciso pensar estas coisas teologicamente.
Estou a ler Normativity and empirical research in theology de Van Der VEN Johannes A.//SCHERER-RATH Michael.É uma compilação de estudos feitos no âmbito do ISERT (International Society of empirical research in theology).
O 1º estudo é de DREYER Jaco A., Theological normativity: ideology or utopia? Reflections on the possible contribution of empirical research.
Apesar da temática ser assustadora ("mas estão a falar de quê?") consegui ler este muito bem.
O autor parte da sua situação na áfrica do Sul pós-aparteid. E levanta uma pergunta: onde está a normatividade da teologia? Onde e como é que a teologia diz, à luz do Evangelho, o que deve ser? E ele recorda que tanto o apartheid como a luta contra ele foram fundamentados teologicamente. Em que ficamos? Na necessidade de pensar.
Alguns defendem que num contexto pós-moderno a teologia deve renunciar a qualquer normatividade autónoma; deveria limitar-se a seguir a tendência dominante na cultura. Outros argumentam que a normatividade religiosa é independente do contexto social. Ambas as posições devem ser criticadas. A posição clássica (a normativodade transcendente) não se sustenta historicamente: sempre houve interpretações diferentes do Evamngelho ao longo da história, dependentes das circunstâncias. A posição moderna cai no relativismo e conformismo relativamente às posições dominantes.
Nesta altura o autor vai buscar Paul Ricoeur e a teoria da imaginação cultural.
Para Ricoeur, todas as acções estão simbolicamente estruturadas, são influenciadas pelo nosso universo simbólico. Esta imaginação social serve para manter a ordem mas também pode produzir inovação e ruptura.A imaginação social apresneta-nos uma tensão dialéctica (É ao usar estas palavras caras que se justifica o dinheiro que se gasta a fazer um doutoramento!) entre ideologia e utopia. A ideologia serve para conservar, para dar ordem à acção. O que pode tornar-se patológico, quando a ideologia começa a distorcer a realidade.
a função da utopia é a crítica aos sistemas de poder vigentes e pensar alternativas. Mas a utopia também pode ter patologias: fugir da realidade, das imperfeições e desafios da práxis num escapismo alienado. Há ainda o "futurismo" que mais não é que o sonho de um paraíso perdido.
Ideologia e utopia interagem. A ideologia precisa da função critica e provocativa da utopia para não cair na distorção. A utopia precisa das funções integrativa e conservativa da ideologia para evitar o escapismo.
Talvez isto nos possa ajudar a entender a relação entre normatividade (aquilo que a teologia [enquanto discurso do e sobre o religioso] propõe ao nível do dever ser) e contexto.
As nossas normatividades teológicas precisam de inovação. A tradição é necessaria. mas não pode subsistir sem recorrer à inovação. Sem inovação. cai-se na distorção.
Mas se a inovação se desliga da tradição perde a relação à praxis e torna-se escapismo.
O autor dá o exemplo de alguma teologia sul-africana que acabou por justificar teologicamente o apartheid. A normatividade teológica tornou-se ideológica.
Pesquisa empírica em tensão entre a ideologia e a utopia
A pergunta é: pode uma abordagem mais empírica ajudar a teologia (mormente a teologia prática) a fazer a mediação entre normatividade e contexto?
Por estranho que pareça, são os pós-modernos que dizem que não. Com o seu relativismo radical acabam por dizer que os saberes empíricos, de empírico nada têm, que é tudo uma projecção de estruturas ideológicas subjacentes.
Ok. É verdade que as ciências humanas (sociologia, psicologia, antropologia, história...) têm de perder as peneiras que são ciências exactas, numa linha positivista.
Ou seja: não seria por usar dados empíricos que, automaticamente, a teologia conseguiria não alinhar com o apartheid, pois esses mesmos dados já estariam inquinados pela ideologia do apartheid.
A pesquisa empírica está tb ela sujeita à tensão ideologia-utopia. E a pesquisa empírica (e a teologia construída com ela) pode servir de apoio à ideologia dominante.
Mas "apesar dos perigos da pesquisa empírica funcionar como legitimadora da ideologia em sentido negativo ou de fornecer utopias irrealistas, eu defendo que a pesquisa empírica feita duma perspectiva teológica pode contribuir positivamente..."
E da uma série de exemplos...
Aqui sou eu que não percebo. Não me resulta garantido em que condições é que a tal pesquisa empírica em âmbito teológico supera os problemas enunciados
Mas ele avança para uma 2ª pergunta: Como fazer a pesquisa sem cair nas patologias ideológica ou utópicas?
"a critical hermenutical framework could help..."
Uma hermeneutica sem uma perspectiva crítica pode tornar-se uma ideologia. Hermeneutica sem perspectiva empírica perde contacto com a realidade. perspectiva empírica sem hermenêutica pode levar ao positivismo na pesquisa empírica. Perspectiva empírica sem perspectiva crítica pode levar a um uso ingénuo, acrítico dos dados.
Esta perspectiva hermenutico-crítica influencia os pressupostos epistemológicos básicos, os métodos de pesquisa, a relação entre o investigador e o investigado, os fins da pesquisa, a interpretação dos dados e a aplicação do conhecimento construído.
Uma das preocupações hermenêuticas é a tensão entre distanciamento e pertença, A opinião dele é que a pertença a uma determinada corrente religiosa pode ajudar a reduzir o perigo de escapismo; Um certo distanciamento crítico ajuda a combater a manipulação ideológica.
Claramente isto precisa de ser aprofundado.
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